VIII
"PENSAMENTO"
O Homem nunca há de vencer
As rochas do tempo,
As florestas do Universo,
As marés vivas da Lua.
Poderá, talvez, desvendar no futuro
O dia das suas trevas,
A primeira noite de Sol,
O antibiótico para a fome,
A vacina de todas as pandemias,
Menos a do medo
E a da Morte.
O valor que tem o bem,
A força da solidariedade,
A vitalidade da arte,
A beleza da natureza
E a garra da sabedoria,
São frutos do pensamento
De uma coletividade
Que dá pelo nome de humanidade.
O Homem jamais conseguirá criar,
Por mais que o ajude o génio
E a inteligência,
Qual é a fórmula do amor
E como transformá-lo em equação.
O Homem sonha, inventa, prospera
E progride pelo pensamento,
O mesmo que lhe dá consciência,
Guerra ou paz e, às vezes,
Felicidade.
O que seria do ser
Sem essa qualidade única
A que chamamos pensamento?
Gil Saraiva
II
"ELA..."
Ela
Não podia estar ali...
Talvez...
Nos confins do pensamento,
Longe de tudo...
Não de todos!...
Um rosto jovem no sorrir...
Um rosto,
Com raios de Sol
Caindo nos ombros,
Em cabelos de um ouro
Que brilha no escuro...
O azul do mar
Repousando nas pálpebras,
De uns olhos castanhos
Que brilham também...
Um doce poente
Poisado nos lábios,
De uma boca que arde
E cheira a pecado...
Um luar de prata
Em seu meigo rosto,
De uma Lua Cheia
Que ilumina a serra...
Os traços de Vénus
Moldados num corpo,
Que Gaia quis tão fértil
Como sensual...
O entardecer
Descendo no ventre,
Qual crepúsculo
Anunciando a plenitude...
O sabor a sal
Colando-lhe as coxas,
Húmidas de ansiedade,
De ante prazer...
O toque da seda
Envolvendo os seios,
Tentando esconder
A derme perfeita...
O amor perdido
Em seu terno olhar,
Que busca, sedento,
Outro olhar igual...
E um ar de oásis
Cobrindo-lhe a pele,
Qual neblina ténue
Desejando Sol...
Ela...
Não podia estar ali...
Talvez...
Perto de alguém,
Imaginário ninguém,
A quem espera,
Um dia,
Vir a encontrar!...
Ela
Não podia estar ali...!
Não!...
Não existe tal paisagem,
Pois as quimeras
Nunca são reais!
Mas...
Se por força
De acasos impensáveis,
A paisagem
Não for mera miragem...
Se o ocaso
Realmente for poente
Que chega ante meus olhos
Suspensos na exceção,
Então... então...
Então tudo eu dou
Pela paisagem!...
O que sou,
O que fui
E o que serei,
O que tenho
E o que possa vir a ter...
Tudo!...
Porque tudo é pouco
Se puder na paisagem
Meu ser eu colocar...
Num canto,
Ali...
Mas enquadrado...
Ela
Não podia estar ali...
Gil Saraiva
VI
“A VIGÍLIA”
O sonho parece não ter fim…
Criando pequenas praias graciosas
O mar banha os despontares de areia,
Com flores de espuma, qual jardim,
Regado a gotas de oceano, preciosas,
Pérolas de mar na maré cheia…
De forma suave, harmoniosa,
Chegam as águas fluidas à muralha,
E a meiga ondulação vai radiosa
Penteando as pedras sem batalha,
Numa paz cúmplice que enleia
As margens por onde serpenteia…
Na piscina do hotel a queda de água
Trauteia indolente a voz da vida,
Sem sinas, tristeza ou sequer mágoa,
Apenas porque a vida lhe é querida…
Ao fundo um colorido bar molhado,
Servido por morena no sorrir garrida,
Refresca, por dentro e por fora,
O mais acalorado convidado,
Para quem as cervejinhas, canapés
Ajudam a ficar mais relaxado,
Na plácida vigília dos chalés….
Subitamente, tu entras na piscina,
E a água reflete as tuas formas
Num misto de sereia e de menina,
Que rompe status quo, rompe normas,
Apenas transmitindo o sensual
Apelo ao sexo, pelo movimento,
De um nadar suave e natural.
Tocam alarmes no meu pensamento
Há muitos predadores
À solta, a esta hora,
Que, tal como nativos batedores,
Vão dar por ti e sem demora.
Qual harpia me ergo concentrado,
Para além de meu amor, tu és família,
De pé, monto o meu posto de soldado,
Anunciando que estou de vigília.
Tu dás conta do meu ar de vigilante,
Rindo, tiras da água o corpo sedutor,
Dizendo bem alto e provocante:
“- Anda, vem, vamos fazer amor.”
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
IX
"CAI O MEDO"
Cai o medo na cidade
E chamam-lhe noite.
Porém,
O Sol sorri ao Povo intimidado,
Mas para os que tremem
No calor
O eclipse aparente não existe
Pois, pura e simplesmente
Já estão cegos...
E para todos eles
As Trevas são reais...
Cegos de medo,
Sedentos de conforto e segurança,
Amantes do estável e do firme
Porque nada mais há de tão hipnótico...
Eles:
Cegos, sedentos e amantes,
São os condutores
Da noite eterna...
"- O Sol só queima o corpo,
Eu nunca o vi brilhar
Na minha alma..."
Parecem dizer as bocas mudas,
Fechadas na noite,
Cariadas de vontade própria...
Cai o medo na cidade
E chamam-lhe silêncio...
Ninguém ouve, ali, agora,
Os gritos dos amordaçados,
Calados pelo estômago,
Apagados no marasmo da noite
E do silêncio...
Cai o medo na cidade
Mas ninguém, ninguém,
Mesmo ninguém
O parece sentir...
No fundo
Todos somos autistas,
Na noite e no silêncio,
Do vil quotidiano...
O medo não vem no dicionário
É mero gene transmitido...
"- Antes sobreviver do que viver..."
Pensamos todos nós
Sem repararmos
Que o nosso pensamento é viciado...
Somos filhos da noite
E do silêncio...
Cai silenciosa a noite na cidade
E ninguém,
Mesmo ninguém repara
Pois só caiu de noite
E em silêncio...
Gil Saraiva
"NA ESTUPIDEZ DE UM POETA"
Na estupidez de um poeta
O âmago é o sonho... a periferia: a realidade,
A verdade é a morte, a loucura: o amor.
Na estupidez de um poeta
A vida é uma questão sem resposta:
Até quando?
Na estupidez de um poeta
O bonito foge à moda,
O medíocre devia sê-lo,
A razão é relativa e a mulher: absoluta.
Na estupidez de um poeta
Há duas opções na vida:
O egocentrismo e o idiotismo
Mas qualquer dos dois é feliz.
Na estupidez de um poeta
O riso é cínico e a guerra não.
E se o saber não ocupa lugar
Para quê haver problemas?
Na estupidez de um poeta
A política existe, a poluição existe,
A ameaça nuclear existe,
Porque toda a merda é orgânica!
Na estupidez de um poeta
A existência é sádica, o Homem: masoquista,
E o pensamento é a fusão dos dois...
Gil Saraiva
"INFINITO"
Um astro brilha lá no firmamento;
Um ponto que me aponta o infinito;
Um cometa indicando um velho mito,
Formado há muito já no pensamento
Por não caber no nosso entendimento,
Como não coube no do antigo Egipto,
E, nem nessa Índia velha do sânscrito
Ou mesmo até no Novo Testamento...
Tantos sonhos pra lá da estratosfera;
Lendas de deuses, Deus, de Lúcifer;
Mat'rialismos, carne....... só mister!
Ah! Pobres humanos quem vos dera
Poder, como eu, viver qualquer quimera,
No infinito amor desta mulher!
Gil Saraiva
V
"MEDITANDO"
Brada o pincel,
Contra a tela, irado,
Pelo fervor frenético
Que a mão do artista
(Veículo último da inspiração
De um homem),
Lhe imprime
De forma apocalíptica...
Banhado de cor
Grita as imagens da mente,
Que gere seu movimento
Na tela,
Antes crua de sentir...
Escorrega
Entre materiais anacrónicos
Que pelo génio conjugados
São vassalos da dor,
Da pobreza,
Da crise, da fome,
Do medo
Ou da euforia, da esperança,
Da vida
E do amor…
São sinónimos ocultos
Da mão de um criador...
Exclama, grita, brada, berra,
Mas não chora, mas não ri,
Medita apenas na imaginação
De quem, olhando a obra terminada,
Lhe bebe a essência
Na busca da verdade...
Porque afinal o pincel
Apenas se deixa ir,
Levado por quem
Contempla a obra,
Em pensamentos nem sequer,
Nunca, sonhados pelo pintor,
Mas que chegam por quem olha
E se fica pela obra
Meditando…
Gil Saraiva