A vila de Sintra tem origens que se perdem no tempo e remontam ao período neolítico. Uma janela temporal que se estende entre 10 mil a 3 mil anos a.C., ou seja, desde que os homens começaram a assentar arraiais que, sem dificuldade, se podem encontrar registos pré-históricos no Concelho de Sintra. Não cabe a este preambulo reescrever a história toda nem mesmo sequer contá-la, num detalhe que a provaria como única e especial no contexto mundial.
Importa assinalar que os primeiros registos humanos da região foram encontrados na Serra de Sintra, perto de onde hoje se localiza São Pedro de Penaferrim e remontam ao início do V milénio a.C., tendo a região sido ocupada por diferentes povos e culturas. É no século II a.C. que a zona é tomada pelos romanos. São eles que revelam, primeiramente, o misticismo especial da região, as práticas religiosas ou pagãs, que os precederam e que se mantiveram depois de adaptadas à cultura romana. Sintra foi romana por 7 séculos e entre 30 e 50 a.C., não se sabe ao certo, passou a município pelas mãos de Júlio César ou de Octávio.
Ptolomeu, frequentemente considerado um dos pilares da astronomia antiga, era um cientista grego que viveu em Alexandria e é um dos frutos notáveis da famosa escola de Alexandria, no Egito, sob o domínio romano de Adriano. Porém, a criação da astronomia tem a sua fundação mais de um século antes com Hiparco. Foi, contudo, Ptolomeu que usou pela primeira vez a designação “Serra da Lua” para denominar a serra de Sintra. Ainda nos dias de hoje há quem se interrogue o que terá levado Ptolomeu, no Egito, a referir-se a Sintra.
Suntria é a forma medieval mais antiga que se conhece de Sintra, tem, ao que tudo indica uma origem indo-europeia e significaria Sol ou astro luminoso. Já a classificação da serra como Monte Sagrado remonta ou a Varrão, ainda no segundo século a.C. ou a Columeia, já no primeiro século d.C., as opiniões sobre o assunto dividem-se, não deixando de ser ambas bem remotas.
Durante o domínio árabe, que durou mais de quinhentos anos, no século X, um geógrafo árabe, de nome Al-Bacr, classificou Sintra como a terra “permanentemente mergulhada numa bruma que não se dissipa”, embora se defenda que ele se estava a referir apenas à serra onde os árabes tinham o seu castelo. São dessa altura as designações de Sintra como Xintara ou Shantara (em árabe), onde esta aparece como sendo uma das principais localidades do Califado do Al-Andaluz, um dos principais califados árabes na Península Ibérica. A influência árabe, que nunca apagou os registos celtas da região, também jamais se deixaria desaparecer depois de perder o poder na zona. Mantiveram-se nomes de locais, muitos mitos e algumas tradições desses tempos que ainda hoje ecoam serra abaixo.
No Século XI dá-se a reconquista cristã, pelo Rei Afonso VI de Leão, mas, por várias vezes se perde o domínio cristão de Sintra que, na altura, depois de Lisboa, era o polo económico mais importante da região. São precisos 50 anos, entre a última década do século XI até 1147 para, já em meados do século XII, poucos anos após a transformação do condado portucalense em Portugal (em 1143), D. Afonso Henriques consolidar definitivamente Sintra como território português e consequentemente cristão. Uma terra difícil de conquistar pelo apego e paixão dos povos à sua singularidade e riqueza de contrastes.
Uma vez integrada em território nacional Sintra evoluiu e expandiu-se exercendo a sua influência pelos terrenos em seu redor. A terra das grandes maçãs, descrita deste a antiguidade como chegando a ter quatro palmos de perímetro, impôs o seu domínio regional até abranger a dimensão que hoje se lhe conhece. Contudo, foi o real amor por estas paragens que as fizeram crescer em termos românticos arquitetónicos e mesmo arqueológicos, com a realeza e a nobreza a implantarem palácios, palacetes, grandes casas senhoriais, quintas, fontes, monumentos, igrejas, capelas e infraestruturas por todo o seu território.
De todo o mundo foram importadas árvores exóticas e raras para serem plantadas na serra. A flora foi deliberadamente implantada para gerar impacto, beleza e misticismo. Criaram-se jardins únicos, esplendorosos, frescos, verdejantes e românticos, como nunca aquela terra vira nascer até ali. Camões, referindo-se ao Cabo da Roca descreve-o como sendo o local “onde a terra se acaba e o mar começa” sendo este, realmente, o ponto mais ocidental da Europa. Poetas e Escritores ingleses também ajudaram a criar a imagem de paraíso que envolve Sintra, uns chama-lhe o Éden da Terra, Lord Byron descreve-a como a vila mais bonita do mundo, o prémio nobel da literatura Isaac Bashevis Singer, dedica-lhe o conto “Sabbath in Portugal” onde se retrata a passear por Sintra. Há registo da admiração por Sintra por parte de nórdicos, franceses, italianos, gregos, holandeses e, evidentemente, portugueses. São muitos e famosos os exemplos da paixão contínua e permanente pela Paisagem Cultural de Sintra, Património Mundial da UNESCO.
Contudo, é nesta terra, onde um batólito, na Praia Grande, ainda tem gravadas, de forma bem visível, pegadas de dinossauros impressas em tempos imemoriais, que uma mística especial se instalou para nunca mais se desvanecer. O batólito, que algures na história da Terra rodou sobre si mesmo 90 graus, retrata agora na sua parede, os passos pré-históricos dados por esses seres antigos muito antes do despontar da humanidade. É ele que encarna a antiguidade de Sintra e da sua serra, cuja altura máxima se eleva 520 metros a cima do nível do mar. É ele que serve de marco misterioso e singular, pelo registo, agora vertical, dessa passagem, perdida no tempo, dos gigantes, por Sintra, ali bem junto à Praia Grande.
O encontro entre serra e mar, o capacete nubloso no topo dos montes, a bruma permanente, o acabar das terras do ocidente, os registros pré-históricos, a diversidade de culturas e povos apaixonados pela região ao longo da sua história, a marca e o registo da sua influência em grandes nomes da história, geraram lendas, narrativas, ficções, romances, contos, fantasias, fábulas e mistérios, do sagrado ao profano, do místico ao histórico, do real ao sobrenatural. As utopias de uns passaram, depois de adaptadas, a ser os milagres de outros ou os contos de mais alguém. As culturas misturaram-se inventando novos mitos e ritos, descrevendo histórias, gerando ficções, inventando poemas, mezinhas e feitiços impossíveis.
Sintra, tem de tudo: lendas de mouras encantadas, contos de fadas, crónicas de elfos, ogres, gnomos, seres ocultos e irreais, entre outros entes, rituais de druidas, de encantadores, de magos e magas, bruxas e feiticeiros, novelas de paixão, de amor, de dor e de coragem, cantos e recantos recortados pelos verdes da imensa vegetação, rasgada por inúmeros cursos de água, ribeiros e ribeiras, pequenos rios que não riem, mas que à fauna e à flora a sede matam, fontes e fontanários, cursos de água que aparecem e desaparecem pela serra, cavando tuneis, ligando grutas misteriosas, muitas ainda por descobrir, um não mais acabar de segredos, mistérios e neblina que a tornam única, singular e absolutamente especial.
Na serra, o Castelo dos Mouros e o Palácio da Pena, são apenas 2 dos marcos que se erguem sobre a vila. Um microclima impõe um caráter exclusivo a toda a região. A humidade e a bruma espalham o mistério consolidando tuneis e passagens secretas que ligam a serra à vila e que se alastram como uma teia oculta por todo o concelho. Há passagens destas que viajam quilómetros debaixo de rochas e penedos, atravessam a várzea, despontando finalmente em locais remotos e longínquos. Um deles chega a Rio de Mouro, já bem longe da serra. Há quem se questione sobre quantos mais estarão por descobrir. Os mistérios de Sintra nunca se desvendarão todos dizem vozes convencidas do ocultismo vibrante da região. O sobrenatural parece ter sede na Serra da Lua. Há quem fale de aparições, maldições, sacrilégios, rituais, fantasmas, lobisomens e vampiros. Tudo converge na mística névoa de senhores da bruma, quase sempre sem provas, factos ou bases que deem crédito às narrativas. O importante é o mistério.
As lendas e narrativas proliferam entre o pagão e o religioso, existem relatos de aparições, sortilégios, poções, feitiços, pragas, remédios, macumbas, magias e até da presença de seres de mundos que não o nosso. Nada que alguém se preocupe em provar ou demonstrar como real e evidente, a não ser, talvez, um ou outro fanático mais entusiasmado. É do restolhar das meias verdades inconclusivas que a serra se alimenta e prospera por entre a bruma.
Sintra é um local único e irrepetível, talhado na simbiose entre natureza e humanidade de uma forma singular. Onde a luz e a sombra trocam papeis como se do dia e da noite se tratassem. Onde a serra abraça a Lua como em mais nenhum lugar no mundo inteiro. Onde a bruma ganha corpo e quase vida, onde a luz se divide em tremendo confronto com as trevas. No cerne de tudo se ergue a Serra da Lua, que me inspirou em alguns livros que lhe dediquei. Nesta terra onde vivi 7 anos, perdido de amores, perdido de mim, perdido de solidão, porque aqui, nesta berma da existência, tudo acontece, tudo é possível tudo se contraria e reafirma. Enfim, tudo é poesia em paixão e movimento.