XVI
"QUADRAS, COM MOTE, AO SANTO ANTÓNIO"
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir:
Na pandemia, primeiro,
Para se beijar, sorrir,
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir:
Amor, saúde, dinheiro,
Que o resto vem a seguir.
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir,
Que há tanto para carpir,
Todo o ano, o ano inteiro,
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir:
Para mulher resistir
Aos saldos para o roupeiro.
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir
Se a vida for um ribeiro,
Que se precisa subir.
Para a bazuca sortir
Esse ansiado dinheiro,
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir.
Não nos cobra ele dinheiro,
Mas fé temos de sentir.
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir.
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir:
Se quisermos conseguir,
Na vida, ter um roteiro.
Pão, cerveja, o que há de vir,
Sardinha assada em braseiro,
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir.
Para ver a marcha sair,
Sentir da sardinha o cheiro,
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir.
Marchas, cantigas, ouvir,
Casamento, fogareiro,
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir.
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir,
Não nos cobra ele dinheiro,
Mas fé temos de sentir.
Pandemia a contrair,
Não há bar, não há cruzeiro,
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir.
P’ra a lotaria sair
Das mãos de um cauteleiro
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir:
Canta o galo no poleiro
E os pintos a sucumbir.
Santo António é milagreiro,
Milagre vou-lhe pedir.
Gil Saraiva
XV
"QUADRAS OBRIDAGAS A MOTE"
Nas quadras, que a gente vê,
Quase sempre o mais bonito
Está guardado p’ra quem lê
O que lá não está escrito.
Nas quadras, que a gente vê,
A vida, que em nós existe,
Rima, sem saber porquê,
Com o alegre e o triste.
Quase sempre o mais bonito
Só salta à vista da gente
Se está na moda, se é dito
Por quem de modas é lente.
Está guardado p’ra quem lê
A clareza que elucida:
Quem entende o ABC,
Entende melhor a vida.
O que lá não está dito,
Que nas entrelinhas vem,
Diz-se, quando não foi escrito,
Mas lê-se igualmente bem.
Nas quadras que a gente vê,
Se a palavra for um grito,
Tenta descobrir porquê,
Pode lá não estar dito.
Está guardado p’ra quem lê,
Quase sempre, o mais bonito,
O coração não se vê,
Nas entrelinhas 'tá escrito.
Gil Saraiva
XIV
"RIMAS DO MALANDRO"
Meu amor é cor-de-rosa,
Não tem pele de lagarto,
Tem uma boca formosa,
Dá-lhe uso… não me farto.
Vive noutra dimensão,
Lá num mundo sensual.
Meu amor é coração,
Meu amor não é normal.
Beija, chama-me Tarzan,
Quem ela apanha se esvai,
Noite, tarde ou manhã,
Quem escorrega, também cai.
Vista grossa, nariz fino,
Tem uma peida bem feita,
Não tem peito de menino,
Mesmo sem sono se deita.
Usa, não sabe porquê,
Lá, por onde faz xixi,
O meu amor já se vê,
Tem orgulho no pipi.
Romance é casa com telha,
De alicerces bem fortes,
Diz-me que quando for velha
Há de ter tempo p’ra cortes.
Diz que amor é p’ra fazer,
Não serve de guarda-fatos,
Quando come é p’ra comer,
Responde pelos seus atos.
Gil Saraiva
IX
"QUADRAS ESPARSAS"
JAMAIS
Todos temos no passado
Anos de mente insana,
Mas quem fica lado a lado,
Por amor, jamais abana.
AFETO
Sou lisboeta de facto
Mas algarvio de feto,
Não importa onde fui nato,
Mas sim onde tive afeto
NINGUÉM GOSTA
O lixo no contentor,
A contentar a cidade,
Ninguém gosta do odor
Que emana da sujidade.
CINCO LETRAS
Cinco letras, nem mais uma,
Para amo-te escrever,
Cinco letras, mais nenhuma,
Para o coração bater.
OS ANOS
Os anos de amor, querida,
São dias de par a par,
São os anos de uma vida
Que nos fazem recordar.
CHAVE
Se esta chave for tua
Só vais ter que a porta abrir,
Pois só vai ficar na rua
Quem ao tentar a partir
RESTAURANTE
No Verde Gaio há vida,
Alegria e bem-estar.
Serve-se boa comida,
É-se bem-vindo ao jantar.
Gil Saraiva
III
"TETRÁSTICOS DE SUPERCÍLIO TRÉPIDO"
(primeiros contactos com a poesia
ou quadras soltas de tempos idos)
A PRIMEIRA QUADRA
(aos 7 anos de idade)
O mar é dos pescadores
Porque eles assim o acham,
Mesmo quando têm dores
E quando os barcos se racham.
NASCE O SOL
(aos 10 anos de idade)
Nasce o Sol no dia-a-dia,
Brilha muito e tem calor,
Nasce o Sol com alegria,
Nasce o Sol, nasce o amor.
A PAIXONETA
(aos 11 anos de idade)
Todo o mundo tudo quer,
Chora o arco pela arcádia,
Todo o homem quer mulher,
Eu apenas quero Nádia.
FIM-DE-SEMANA
(primeiro trabalho de férias aos 11 anos)
Por semana cinco dias
Se passam a trabalhar,
Ficam dois p’ra que sorrias
Por poderes ir descansar.
MERDA
(primeiro contacto com a droga aos 13 anos)
Merda para toda a droga,
Merda para os drogados
Merda, pois, estão em voga
Esses merdas destroçados.
O PRIMEIRO AMOR
(aos 13 anos de idade)
Nos olhos do meu amor
Eu vejo bem refletida
A minha alma que em fulgor
Por eles tem nova vida.
MASOQUISTA
(amor platónico aos 13 anos)
Quem gosta de sentir dor
No amor, na sua vida,
Nada entende de amor
Só sabe de despedida.
AUTORITARISMO
(contrariedades de adolescente aos 14 anos)
Quem julga que em alguém manda,
Sem licença p’ra mandar,
Um dia a coisa desanda,
Fica o dedo p’ra chupar!
ESCOLHA
(1 - primeiras desilusões amorosas aos 16 anos)
Podes tu amar mulher,
Ter muito amor para dar,
Mas se ela não o quiser,
Jamais a vais conquistar
JANGADA
(2 - primeiras desilusões amorosas aos 16 anos)
Sem confiança o amor
É jangada que deriva
Entre sentimento e dor,
Sem ter qualquer perspetiva.
INSATISFEITOS
(3 - primeiras desilusões amorosas aos 16 anos)
O mundo busca a chama do viver
Até a sua chama se extinguir.
Busca o que jamais vai atingir,
Busca o que não tem e quer ter.
A LÁPIDE DO DESAMOR
(4 - primeiras desilusões amorosas aos 16 anos)
Jaz sepultado aqui,
No terramoto da raiva,
Jota Jota Gê Saraiva.
Na despedida escrevi:
Morro na ira do inexplicável,
Meu amor, não peço dó,
Fica bem, que eu sou amável,
Volto a ser apenas pó.
NON SENSE
(a descoberta do surrealismo aos 18 anos)
Não batas com a cabeça
Na esquina do meu armário,
Não deixes que a mente esqueça
De dar alpista ao canário.
LOUCURA
(a paixão aos 18 anos)
Nestas coisas do amor,
Que a vida nos of’rece,
A loucura tem valor
Se pecar nos apetece
RESPEITINHO
(quadras de Ariana Telles)
Toca aqui, a ver se eu deixo,
Que isto não é da Joana.
Um beijinho, só no queixo
Ou um outro na pestana.
Queres namorar comigo?
Mas não deixas a Maria…
Ah, assim eu não consigo,
Prefiro ficar p’ra tia.
Amor é vela, é chama
Que pode nunca acender.
Só se acende quando se ama,
Nem se apaga se um morrer.
Gil Saraiva
Introdução
“Tetrásticos de Supercílio Trépido”, poderiam ser simplesmente, pelo lado figurativo, “Quadras de Orgulho Trémulo” ou “Quadras de uma Soberba Assustada”, contudo, face à variedade das quadras apresentadas, muitas delas com ligações entre elas, mas de conteúdo disperso e por vezes anacrónico, são mais, no sentido restrito dos significados, “Quadras de Sobrancelha Que Treme” ou “Quadras de Sobrancelha Hesitante”, a traduzir quatro versos, em estrofe, que se juntam em grupo para transmitir sentimentos, sentidos e sensações, boas ou más, dependendo do lado para onde o seu pendor foge de um modo quase ocasional.
Não sendo a quadra uma forma de estrofe de um estilismo requintado ou mesmo de nível superior, e sendo um facto de que a mesma é mais usada de um modo popular, com origens bem mais humildes do que o eruditismo de que é exemplo o soneto, falar de quadras orgulhosas ou em soberba é um contrassenso que só é ultrapassado se as mesmas forem simultaneamente medrosas, tremendo de receios ou hesitações.
Quando a segurança dos conteúdos, e por vezes da forma, é posta em causa pela própria linha temporal em que foram escritas, é simples de compreender que muitas delas tenham sido criadas com os receios próprios da ignorância formal ou de que os conteúdos apresentados sejam, por força das épocas em que foram elaboradas, bem mais ingénuos ou simplistas do que deveriam ser.
A sobrancelha erguida que treme com medo é uma metáfora perfeita para se falar de “Quadras de Orgulho e Preconceito” no sentido em que o presente livro não tem o intuito de ser uma seleção elitista de estrofes de quatro versos, mas sim uma mostra de que também se pode fazer poesia com receio, simplicidade, ingenuidade e pouco conhecimento cognitivo ou mesmo formal. Em resumo estas quadras de sobrolho tremido são usuais e populares desabafos em verso e não têm intensões de ser qualquer outra coisa que não isso mesmo.
Gil Saraiva
Observação: As quadras deste livro foram criadas dos meus sete anos até à atualidade.
II
"QUADRAS POPULARES"
“O MELIDENSE”
(Um Restaurante Típico Alentejano, em Melides. Quadras feitas a pedido do dono: o Senhor Carlos Alberto Pereira que, no final das refeições, oferecia um cartão com uma quadra por cliente.)
I
Se jantar no Melidense,
A comida da Maria
Vai ver como o convence
A voltar no outro dia.
II
Melidense, Melidense,
O que me dás de comer?
- Vê se a lista te convence
É fácil, basta escolher.
III
Melidense, quem diria...
Tem açorda alentejana,
Tem comida da Maria,
Tem comida à fartazana...
IV
Se em Melides passar,
Com a barriga a dar horas,
Há que ir e sem demoras
Ao Melidense manjar.
V
“Melidense me conforte”.
Diz a barriga vazia
Onde a fraca fica forte?
Na cozinha da Maria.
VI
Carlos Alberto Pereira
Te convida p´ra jantar
No Melidense, à maneira
Sem muito teres que gastar.
VII
Toda a semana a servir,
Na quarta é folga certeira,
Melidense, tem sentir
De Carlos Alberto P’reira.
VIII
Quem come no Melidense
De sábado a sexta-feira
Sabe bem quem o convence:
Carlos Alberto Pereira.
IX
Pela boca morre o peixe
Mas aqui vem cozinhado;
Não temos nós quem se queixe,
Ninguém chora bem jantado.
RACISTA
Branco que com branco grita,
Discute pontos de vista,
Porque é que esta mesma fita,
Com negro, já é racista?
RICOS E POBRES
Se um pobre me roubar
Impõe-se pena, com peso,
Se o meu banco me enganar,
Cuidado! Posso ir eu preso...
SANTO ANTÓNIO
I
Beijo, que é Stº. António,
Dia 13, sexta-feira,
Que o santo do matrimónio,
Não vai cair da cadeira.
II
Beijo nesta lua cheia,
Noite de marchas e festa,
Que beijar não dá cadeia,
Se for dado assim na testa.
III
Beijo “prá” doce menina,
Dado com muito carinho,
Que o santo não se amofina,
E nem vai fazer beicinho.
GUERRA DOS SEXOS
Nos sexos há uma luta
Que não tem compreensão:
Porque há de a mulher ser puta
E o homem garanhão?
O AMIGO DA ONÇA
Se queres ser meu amigo,
Mal de mim não digas tu,
Acredita que consigo
Mandar-te levar no cu.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Não devia ter casado.
Quem, na mulher, bate, em casa,
Talvez se fosse castrado,
Perdesse força na asa…
O ESPERTINHO
I
Para se pescar, sem rede,
Há que ser especialista,
Quem sem água mata a sede,
É esperto ou oportunista.
II
A mim não me enganas tu…
Tudo sabe o rei do esquema,
Vende frango por peru,
Para ele, truque é poema.
O JUIZ
I
Se fores, em tribunal,
Injustamente acusado,
o juiz que te fez mal
Devia acabar culpado.
II
Condenar, sem ter certeza,
Perdoar, por preconceito,
São critérios de tristeza
De juízes com defeito.
III
Decidir, sem ter razão,
Num juiz é mais que asneira…
Se uma luva é para a mão,
Não se usa na carteira.
A VIDA
Sorria, nunca ande triste,
Pelos caminhos da vida,
Que a vida que em nós existe
Não tem volta, só tem ida…
OS ANIMAIS
Quem maltrata gato e cão
Por apenas malvadez,
Não precisa de prisão,
Mas sim, provar do que fez…
PRESUMÍVEL INOCENTE
Quem diz que sou pecador,
Pobre e mal-agradecido,
Deve ser bom orador,
Acusa, sem ter vivido…
JOGO DE INTERESSES
No calor das madrugadas,
Chamas-me amor, com paixão,
Mas nas montras decoradas
Chamas-me amor, sem razão…
O AMBIENTALISTA
Proteger o ambiente
Está na moda outra vez,
Mas ainda há muita gente
Que diz que faz, mas não fez.
O CORRUPTO
Defender o que é de todos,
Mas não pertence a ninguém,
Pode bem gerar engodos,
Para o proveito de alguém…
VEGAN
Dizes que carne não comes,
Vegan, é que é boa malha,
Ficas magra, quase somes…
Todo o burro come palha…
A TERCEIRA IDADE
Os velhos de antigamente
Eram reserva dos Povos,
Agora, já nem são gente,
Por desrespeito dos novos…
SEGUNDOS SENTIDOS
Mezinha, não é remédio,
Omitir, não é mentir,
Cortejar, não é assédio
Nem ir «prá» cama, é dormir.
MEIO CAMINHO ANDADO
I
Meio caminho é, pela estrada,
Não sofrer, antes sorrir,
É saúde encomendada
Doença levada a rir.
II
Sem saúde, paz, dinheiro,
Não se chega a nenhum lado,
Procura rir tu primeiro:
É meio caminho andado.
III
É meio caminho andado
Pelos azares da vida,
Manter o foco apertado
E rir de cada partida.
PORTA-CHAVES
I
Porta-chaves, chaves porta,
No seu anel prateado,
A chave da minha porta,
Não serve na porta ao lado…
II
Porta chaves quantas são
As chaves desta alma minha?
“- São muitas, mas de latão,
Perdeste a de ouro que eu tinha.”
III
O porta-chaves que tem
As chaves da minha vida
Tem a do mal e do bem,
Da chegada e da partida.
Gil Saraiva
"AS VOZES"
No austero silêncio
Da internet
A comunicação é infinita,
De todos
Para todos,
Tal como o infinito
Que nada mais é
Que tudo
Para tudo...
Neste novo Éter
Nascem ideias e projetos,
Negócios e amores,
Crimes e violações,
Qual cópia da vida que vivemos…
Por uma rede
Universalmente livre,
Que não se calem, nunca,
As vozes do futuro:
As nossas vozes!
Nascemos selvagens
E livres
Para a internet...
Sem regras,
Sem normas,
Sem segurança,
Com garra, com ganas de saber...
Agora, na ânsia do lucro,
Os vampiros do capital
Procuram o comando…
Os Estados, a par com esta gente,
Tentam impor regras neste mundo global
Que nasceu nosso,
Porque foi feito por nós
E para nós!...
Por todos os meios tentam controlar
A plataforma mais livre do planeta.
Falam de perigos infindáveis e maliciosos.
É verdade.
A internet tem muito de mau,
Mas, como a vida,
São os riscos da liberdade…
Por uma rede
Universalmente livre,
Que não se calem
Nunca
As vozes do futuro:
As nossas vozes!
Gil Saraiva