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"UM POEMA"
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Se for ouvido é música divina,
É arte,
É voz...
Mas se na valeta
Do esquecimento ele cair
Então…
O poeta morreu uma vez mais,
Mas não sem antes sofrer muito
Para além do suportável
Pelo comum dos mortais...
Quantos de nós,
Muito além desse sentido,
A que chamamos de audição,
Escutamos realmente o grito mudo?
Quantos de nós ouvimos
No marasmo do nosso quotidiano
Um só poema?
"-Depende..."
Dirão os mais sensíveis...
"-Eu acho que sim!"
Afirmarão os convencidos
Pelas lições que a vida
Lhes foi dando...
"-Eu escuto..."
Dirás tu
Com medo da tua própria voz...
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Gil Saraiva
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IX
"CAI O MEDO"
Cai o medo na cidade
E chamam-lhe noite.
Porém,
O Sol sorri ao Povo intimidado,
Mas para os que tremem
No calor
O eclipse aparente não existe
Pois, pura e simplesmente
Já estão cegos...
E para todos eles
As Trevas são reais...
Cegos de medo,
Sedentos de conforto e segurança,
Amantes do estável e do firme
Porque nada mais há de tão hipnótico...
Eles:
Cegos, sedentos e amantes,
São os condutores
Da noite eterna...
"- O Sol só queima o corpo,
Eu nunca o vi brilhar
Na minha alma..."
Parecem dizer as bocas mudas,
Fechadas na noite,
Cariadas de vontade própria...
Cai o medo na cidade
E chamam-lhe silêncio...
Ninguém ouve, ali, agora,
Os gritos dos amordaçados,
Calados pelo estômago,
Apagados no marasmo da noite
E do silêncio...
Cai o medo na cidade
Mas ninguém, ninguém,
Mesmo ninguém
O parece sentir...
No fundo
Todos somos autistas,
Na noite e no silêncio,
Do vil quotidiano...
O medo não vem no dicionário
É mero gene transmitido...
"- Antes sobreviver do que viver..."
Pensamos todos nós
Sem repararmos
Que o nosso pensamento é viciado...
Somos filhos da noite
E do silêncio...
Cai silenciosa a noite na cidade
E ninguém,
Mesmo ninguém repara
Pois só caiu de noite
E em silêncio...
Gil Saraiva
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"POSTO DE ESCUTA"
Posto de Escuta, escuta!
Escuta o velhinho de olhos doentes
Que num canto chora os filhos ausentes...
Escuta a senhora
Que casa não tem,
Como demora,
A resposta não vem...
Escuta o homem de voz dormente
Que quer ser ouvido permanentemente,
Alma magoada, trémula assim
De quem se vê só
Tão perto do fim!
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta o pedido de uma cadeira,
De rodas, feita para a liberdade,
Porque faz sentido
Que alguém queira
Ter o direito à mobilidade!
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta o taxista da grande Lisboa,
De histórias mil, Cais Sodré, Madragoa,
Que levou o homem, nu, o coitado,
A quem a amiga deixara pelado...
Oh… Posto de Escuta
Escuta!
Escuta os versos do cantar do Povo
Que em surdina gritam por um mundo novo...
Escuta as quadras de senhoras meigas,
De voz carente,
Gramáticas leigas,
Coração ardente,
Alma empenhada
Em tudo dar em troca de nada...
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta a dor de quem foi tratado
Num hospital como um renegado...
Escuta o cego de recursos parcos
Pra quem a bengala chora na montra...
Escuta o coração
Que perdeu a filha
Cavalgando ao vento a última milha...
Posto de Escuta
Escuta!
Escuta a guitarra, que toca baixinho,
Acordes que o tempo não pode apagar...
Escuta o fado em voz de carinho
De quem nos recorda saudade e amar...
Escuta um país de alma ferida
De quem quer apenas o que é natural
Ou vozes alegres cantando a vida
E que em português gritam Portugal!
Posto de Escuta, escuta!
Escuta agora, ninguém ignora
Que no dia-a-dia tu és mais valia,
Sem julgar, bater, sem opor,
Almas de éter, quase um vapor...
Posto de Escuta, escuta!
Escuta um Povo que grava no cobre,
Em letras de ouro
A alma mais nobre!
Posto de Escuta, escuta!
Ó como é lindo o teu escutar
Na noite, no éter, sem um olhar,
Vozes de vida, formas de luta...
Escuta os casos da Troika viral,
Que dum memorando fez memorial
Ou vã lembrança de um país
Outrora chamado de Portugal...
Escuta o teu Povo que pede ao Governo
Que mude já ou se vá embora (e sem demora)
Que o desgoverno cria quem chora...
Posto de Escuta
Escuta!
Oh! Por favor não pares de escutar!
Escuta,
Posto de Escuta!...
Gil Saraiva