VIII
“MORRO DE S. PAULO”
Ao olhar
Ressalta já o Morro de S. Paulo;
Ao recordar
Um morro de reis, de glórias
E de escravos;
Morro de histórias,
Fantasmas e de bravos;
Morro de saudade,
No tempo perdido,
Onde um minuto vale a eternidade,
Onde cada segundo tem sentido…
Aqui, no Morro de S. Paulo,
Das águas feitas de cristal,
Se elevando
O sonho ganha corpo, rosto, forma,
É natural…
E o sorriso vai edificando,
Em cada instante,
Uma outra plataforma,
Feita de natureza cativante
Como que esculpindo nova Atenas…
Mais do que bonito
O Morro de S. Paulo
É belo apenas!
Aqui,
De mãos dadas, passeamos
O nosso amor
E ele sorri, enquanto andamos,
Ao Sol e ao calor,
Por entre as lojas
Como que para nós engalanadas,
Por entre ruas estreitas,
Calcetadas,
Onde se vendem,
Quase às toneladas,
Recordações,
Que um dia,
Empoeiradas,
Nos despertam a saudade,
A nostalgia,
Dos olhares trocados naquele morro.
Objetos, símbolos, na verdade,
Do amor vivido, da alegria,
De quem dentro de ti
Não quis socorro…
No Morro de S. Paulo fui feliz,
Fomos amor rubro,
Intenso, enlouquecido…
Que ali se cimentou, criou raiz,
Que jamais por nós será esquecido…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da Paixão
"SAUDADES"
Saudades
Choro de um riso antigo
Hoje recordado...
Saudades
Vou deixando
Aqui, além...
Recordações
Eu guardo dos meus passos:
Daquele alguém que um dia olhou pra mim
E me chamou de amigo...
E num olhar
Disse poder guardar de mim memória
E registar bem fundo o meu sorriso...
Saudades
Vou guardando, conformado,
Daqui, de além e de todo o lado
Onde há um abraço de amizade;
Onde a Humanidade for humana;
Onde a Paz existir na Natureza
E onde a Liberdade for amada...
Saudades,
Nostalgias, lembranças, emoções
E outros sentimentos pouco claros
Que vão ficando em nós
E que nos tornam
Produtos inventados pela mente
De quem a nosso lado já viveu
E guardou para si a nossa imagem...
Saudades
De outrora... de uma hora,
Daquele momento exato,
Inesquecível,
Daquele instante louco, fugidio,
Em que a flor abriu, desabrochou...
Ou de outro que não conto por pudor,
Mas que por certo falava de Amor...
Saudades,
Momentos presentes do Passado
Que o Futuro não pode apagar;
Vivências de uma vida,
Lágrimas de dor, felicidade,
Desejos e gritos já vividos;
Anos de sonho e de saudades
E dias que são claras ilusões...
Saudades
Vou guardando, vou deixando
Aqui, ali, além, por todo o lado
Onde a lágrima seja borboleta
Ou onde a eternidade iluminada
Se reduza breve, num segundo,
A gotas de orvalho e de saudade...
Saudades
Choro de um riso antigo
Hoje, uma vez mais,
Já recordado
Ou novamente,
Até que enfim, reencontrado!...
Saudades
Choro de um riso antigo...
Gil Saraiva
“PARA QUE A TROIKA NÃO SE ESQUEÇA”
Dizem
Que temos nós
Direito à vida.
Dizem
Que vem na lei,
Que tem de ser.
Dizem
Que ninguém pode,
Dela, ser privado,
Salvo se crime houver
E, sem saída,
Se age
Por mais meios
Não haver…
Uns dizem
Que é direito assegurado,
Que assim se constrói democracia…
Outros dizem que tirá-la
É pecado,
Sentença capital da agonia,
Condenando,
Até ao fogo eterno,
As almas pecadoras ao Inferno.
Mas o que dizer de quem,
Que aplica um memorando
E navegando à vista, navegando,
Saca de todos nós o que não temos?
Rouba dizendo que devemos
Não se sabe o quê, à Troika prenha,
Que tanto nos odeia e desdenha,
Roubando a quem tem necessidade,
Tirando a quem não tem capacidade.
Impõe-se assim esta ordem estranha,
Injusta, violenta, uma artimanha,
Que nos vai forçando a cumprir,
Sem vontade se ter e sem sorrir,
Tudo o que nos obriga a própria lei,
Imposta porque quem tem força de rei.
Uma lei tão vil,
Tão errada, falsa,
Tão tamanha,
Que o povo ao suicídio
Vai levando ou à pobreza,
Por não haver maneira
Ou poder ter
Como se cumprir um tal comando,
Que da força da lei
Faz fortaleza,
Imposto por um Governo fraco
Que apenas quer encher o saco.
É assim a vida,
O que dizer?
Pergunta o Estado,
Vendo cofres a encher,
Num confisco que cheira realeza,
De quem o povo, aos poucos,
Vira presa…
Dizer que são culpados!
Porque não?
Dizer
E condená-los a Prisão!
Homicídio involuntário
De gente sem saída,
Gente que se mata,
Só por desespero,
Gente fraca, sem sorte,
Sem alma e sem bocado,
A quem o futuro foi roubado.
Gente que não sabe de roubo
Ou contrabando,
Que grita dor e fome em desespero,
Que definha pelo exagero
Do saque em favor do memorando
Assinado, à revelia, por tal bando.
Dizem que temos nós direito à vida.
Dizem que vem na lei, que tem de ser.
Quem julga os assassinos,
Das almas sem saída,
De tanta gente que assim
Ficou perdida?
Quem julga um Estado destes, a preceito?
Um estado assim tão vil, tão mau, demente,
Que abusa do Povo já desfeito,
Como se nada fosse, ou… quiçá…
Nódoa atroz que sai com detergente.
Dizem que temos direito à vida…
Dizem… e quem o diz,
Só mente!
É preciso avivar, de todos, a memória
Dos tempos em que vida foi avessa,
Lembrar os dias sem saída, sem glória,
Para que a Troika não se esqueça!
Gil Saraiva