II
"ELA..."
Ela
Não podia estar ali...
Talvez...
Nos confins do pensamento,
Longe de tudo...
Não de todos!...
Um rosto jovem no sorrir...
Um rosto,
Com raios de Sol
Caindo nos ombros,
Em cabelos de um ouro
Que brilha no escuro...
O azul do mar
Repousando nas pálpebras,
De uns olhos castanhos
Que brilham também...
Um doce poente
Poisado nos lábios,
De uma boca que arde
E cheira a pecado...
Um luar de prata
Em seu meigo rosto,
De uma Lua Cheia
Que ilumina a serra...
Os traços de Vénus
Moldados num corpo,
Que Gaia quis tão fértil
Como sensual...
O entardecer
Descendo no ventre,
Qual crepúsculo
Anunciando a plenitude...
O sabor a sal
Colando-lhe as coxas,
Húmidas de ansiedade,
De ante prazer...
O toque da seda
Envolvendo os seios,
Tentando esconder
A derme perfeita...
O amor perdido
Em seu terno olhar,
Que busca, sedento,
Outro olhar igual...
E um ar de oásis
Cobrindo-lhe a pele,
Qual neblina ténue
Desejando Sol...
Ela...
Não podia estar ali...
Talvez...
Perto de alguém,
Imaginário ninguém,
A quem espera,
Um dia,
Vir a encontrar!...
Ela
Não podia estar ali...!
Não!...
Não existe tal paisagem,
Pois as quimeras
Nunca são reais!
Mas...
Se por força
De acasos impensáveis,
A paisagem
Não for mera miragem...
Se o ocaso
Realmente for poente
Que chega ante meus olhos
Suspensos na exceção,
Então... então...
Então tudo eu dou
Pela paisagem!...
O que sou,
O que fui
E o que serei,
O que tenho
E o que possa vir a ter...
Tudo!...
Porque tudo é pouco
Se puder na paisagem
Meu ser eu colocar...
Num canto,
Ali...
Mas enquadrado...
Ela
Não podia estar ali...
Gil Saraiva
IX
"NÃO POR MIM..."
Às vezes
Acho-me um ser híbrido...
Não importa se o sou
Mas o que penso...
É como se metade do que me constitui
Fosse sentir
E só a outra parte de mim
Fosse homem nato...
Sou,
Tal como o dia tem na noite
Uma outra face,
Um ser ambidestro
No que toca à mística
Representada pelo coração...
Um quase ser criança
Entre pudores que,
Nesta idade que tenho,
Já extintos deveriam estar.
Mas corre-me nas veias
O devir...
A sensação última de atingir
A plenitude das coisas
Simples e pequenas
Que permanecem fiéis à memória
De quem realmente as viveu
Com existência.
Mas para que falo eu isto?
Que importância tem?
Para que raio interessa
Um tal assunto?
Ahhhhhhh...
Importa refletir,
Sentado nas escadas alvas e frias
Do mármore que edifica e marca
Cada registo do que sou,
Tentando sempre
Ir mais longe no pensar...
O que me move?
Ou, talvez, o que me comove?
Ou, ainda, o que me demove...?
É delicioso poder concluir que,
Em cada caso,
A chave é sempre a mesma:
Sentimentos!
Vindos de dentro,
Da arca radioativa do amor
À qual chamamos
Alma...
Sentimentos,
Desempacotados,
Pelo espírito
Que nos torna humanos,
Postos a render
Para que possamos desfrutar,
A cada pegada impressa
No caminho da vida,
A realização
Do que deveríamos ser
Para que o existir tenha um propósito:
Felizes sermos!...
A demanda pela verdade
É um falso caminho se,
No final da linha,
Não encontrarmos
O amor!
É pela sensualidade dos corpos
Que a alma,
Feita espírito inventivo,
Nos mostra a excelência de uma espécie
Com milénios de existir:
O Ser Humano.
Um ser que não se reproduz apenas,
Mas que se funde em harmonia
Sempre que a longa busca,
Pela alma gémea,
Se conclui com êxito.
Ser sensual
É ser-se humano
E ter com isso a esperança
De perpetuar a espécie
Por forma a poder gritar bem alto,
Aos quatro ventos:
É amor!...
Às vezes
Acho-me um ser híbrido...
Não pelo que sou
Mas pelo que os meus olhos captam
Do mundo
A que chamamos evoluído...
Onde sensualidade
Se confunde com pornografia,
Tal como o bem
Se confunde com o mal...
Às vezes
Acho-me um ser híbrido,
Mas não por mim...
Não por mim...
Gil Saraiva
"TOCA-ME"
Quando aquela mão
Se estende decidida e sensual,
Num caminho seguro,
Até tocar suave
Um membro adormecido,
Despertamos nós...
Desperta o príncipe
Com coaxares de sapo,
Porque a magia
Se fez vida
E gozo último...
Quantos de nós, homens,
Antropófagos do sentir,
Não atingimos o céu
Antes do tempo
E tudo por um toque apenas?
Ahhhhhh...
Isto é vida!
Nada se compara
Ao arrepio da derme
Perante um deslizar
De dedos ao acaso.
Nada é mais intenso
Do que sentirmos a mão,
A nossa mão,
Navegar serena,
Pela derme de outro alguém,
Procurando o calor ameno
De um Trópico de Câncer
Ou Capricórnio...
Pra mergulhar ardente
Num vulcão de amor
E nos fazer arder
Sem febre alguma
Que não aquela
A que chamamos de paixão...
Partir do que é geral
Para o mais específico,
Íntimo, privado e particular...
Sentir a preocupação das formas,
Das cores, do brilho,
Do estado hipnótico de um toque,
Em impressões táteis
De impensáveis sensações
De loucura frenética e absoluta...
Depois...
Procurar uma ordenação tátil
Dos elementos do percurso
E projetá-los em cenas
De luxúria conseguida e integral...
Por fim...
Gritar em êxtase:
Toca-me, de novo, meu amor!!!
A Mulher,
Mais do que ser humano,
É arte viva,
Sente
Como nenhum outro espécime
À face do planeta...
E faz sentir...
Chegamos ao infinito
Num só toque...
E de lá voltamos para podermos,
Também nós,
Tocar e atingir assim
O despertar de uma aurora
Que nasce pura de êxtase
E plena de prazer!...
A Mulher
Faz uivar bem lá no fundo
Aquele ser esquecido,
De ser gente,
De ter vida,
De ter voz...
E provoca do íntimo
A alma ansiosa de sentir,
Perdida de sentido,
De momento,
Já faz muito e muito tempo,
Para gritar, por fim,
Em pleno êxtase:
Toca-me, de novo, meu amor!!!
Gil Saraiva