Livro de Poesia - Ântumos Implexos dos Airados: La Palma, Cascata de Lava - IX
IX
“LA PALMA, CASCATA DE LAVA”
Revolta-se a Terra e logo pelas Canárias,
Grita, em tremores pela ilha fora,
Em nome do planeta pois que demora
O Homem a parir reformas ordinárias
Sobre o clima, o ambiente, já sem hora,
Minuto, segundo ou mesmo instante
Para tudo mudar porque é flagrante
Que o destino não espera e a chama chora
Rios de fogo pela encosta agora,
Desembocando cascatas de lava no oceano,
Numa guerra invulgar, sem mano a mano.
E monte da velha enxofre fede,
Rebenta de raiva o vulcão adormecido,
E em torrentes de sangue nada impede
Os rios de devorar casas e terras num rugido,
Sem dimensão, sem forma, sem sorriso,
Sem consideração, espera e sem aviso,
Que não seja o da confusão, do alarido.
Para as vítimas o drama cheira a desespero
De nada serve a luta, o orgulho ou o esmero.
Ali reina um caos sem ter vertigens.
Plantações de banana viram estrume,
Em torresmos derretidos, desde o cume,
Que a civilização volta às origens.
Chega o rei, ministros e dinheiro,
Entram promessas pela televisão,
Que imagens de espanto são viveiro
De audiências, de sofá e de emoção,
De quem ao longe assiste ao formigueiro
De uma La Palma recreada em cinzeiro.
Em La Palma, as cascatas são de lava.
Laranja, amarelo, negro e vermelho
São as cores da revolta que se trava
Numa ilha para quem não há conselho
Que ajude a suportar tamanha dor,
De quem vive dessa terra, de quem viu
Desaparecer o fruto de todo o seu labor
E sem comos, nem porquês, se despediu
Dos seus haveres, das memórias, no calor
Porque as chamas tudo em volta consumiu.
A natureza acordou um vulcão adormecido,
Nem requerimentos, sem razões, sem um pedido!
Gil Saraiva