(Sonetos de 2021 - inclui alguns sonetos revistos desde 1991)
EXÓRDIO
Num soneto cada verso é como um adágio que o poeta, por mais banal, corriqueiro ou usado que seja, pelas musas que o inspiram ou pelos estros que lhe dão fluidez, inscreve na folha virgem que aguarda a profanação das letras feitas palavras, que como afluentes formam versos que confluem em quadras e tercetos, num rio a que os arautos chamam de poema. No final surge o soneto, único, vibrante, sensível e totalmente apaixonado pela rigidez das formas que o confinam, por entre as margens de uma estrutura em que navega fluidamente, transportando do porão à gávea resmas de sentimentos, de emoções, de sentires que, sendo seus, cedo se espalharam pelas mentes dos consumidores, que os devoram em leituras ávidas de amor, embalo, ternura, bruma, tristeza ou solidão, enquanto leitores das suas próprias almas.
Os provérbios de um poeta usado pela vida deixam a singularidade da sua criação e tornam-se inspiração e reflexo de espelhado de quem, através deles, se vê refletido, aqui e ali, nos seus próprios devaneios ou paixões. São estes anexins de um vate sólito que para estas páginas transcrevo convicto que o poeta, como o filósofo, apenas nos ajuda a entender este meio complexo, vibrante e apaixonado a que chamamos eufemisticamente de sociedade e onde nos inserimos como parte de um todo que nos é afim. Tudo porque sem afinismos o ser definha, se deprime e se acaba sob uma lápide triste que nem sequer nos honra condignamente.
O Falcão Peregrino, é das poucas aves que pode ser encontrada em todos os continentes, excetuando a Antártica. Estou a falar de um pássaro solitário, que se encontra espalhado por quase todo o mundo e que migra, em muitos casos, para nidificar ou para procurar novos terrenos, muitas vezes mais abundantes em alimentação. Fosse eu um poeta andino este livro teria, muito provavelmente, o nome de “El Condor Pasa”, contudo, não é esse o caso e, sendo eu um escritor luso, o Falcão Peregrino é o animal, que melhor representa este vagabundo de sonhos e sentimentos, que me constitui. Um ser constantemente na busca de um território onde se sinta bem, numa quase vadiagem permanente, por falta de localizar um espaço, onde faça sentido viver, porque, para subsistir, preciso de amar.
Eu sou um predador de emoções, de sentidos e sentimentos, de vivências que me apontem o caminho da felicidade. Posso não ter a equidade visual do falcão, mas tenho, na ponta tátil dos meus dedos, na deteção dos aromas, na infinita imaginação da minha alma, os meios para detetar, não a presa como a ave, mas o amor de que necessito para existir e sobreviver em alegria.
O meu ego peregrino não é o mais veloz do mundo, como o voo do pássaro que aqui me representa, porém, a minha existência viaja, com a mesma velocidade vertiginosa, na senda de um outro existir que me complete, que me permita extinguir a solidão que me cobre os poros, como uma capa transparente, que me impede de, finalmente, alcançar a desejada satisfação e bem-estar.
O desejo de me apartar do meu cativeiro de falcão é vibrante, premente, ansioso e parece não ter fim ou meta à vista. Onde se encontra a alma gémea que me dará descanso, plenitude, razão de ser e de viver em felicidade? Quando terminará a viagem do peregrino ermita cuja sina é a solidão, até um dia encontrar quem procura, sem previamente poder saber a quem busca, nos seus infindos voos de alma?
Tudo tem de ter um fim. Porém, será que esta prospeção me poderá trazer, um dia, a alegria da descoberta? Anseio pela resposta como por essa nova experiência de existir. No meu estro perscruto pela musa de meus versos, vasculhando-me o cerne, a alma, o ego e o coração. A minha esperança morrerá se, entretanto, eu sucumbir, mas, até lá, o Falcão Peregrino não para de voar, numa caça sem armas que não seja o pulsar do coração.
Gil Saraiva
Observação: Os poemas deste livro foram criados entre 2003 e 2009.