XXXVI
"O SONHO DO IDEALISTA"
A cor suave de uma pele macia,
A sombra assim tão leve do pudor,
Uns olhos vivos, rindo por amor,
Por cima de um sorriso que sorria,
A tudo isso eu sei que pertencia.
Uns seios que, no peito, davam cor
Ao ar que se respira no calor,
Onde esta minha alma se aquecia.
Uns gestos meigos, postura divinal,
Cintura, ancas, coxas, um assombro
De cabelos descendo até ao ombro.
Um corpo de mulher, um ideal.
Eu sei que esta beleza, jamais vista,
Foi sonhada por um idealista.
Gil Saraiva
VI
“A VIGÍLIA”
O sonho parece não ter fim…
Criando pequenas praias graciosas
O mar banha os despontares de areia,
Com flores de espuma, qual jardim,
Regado a gotas de oceano, preciosas,
Pérolas de mar na maré cheia…
De forma suave, harmoniosa,
Chegam as águas fluidas à muralha,
E a meiga ondulação vai radiosa
Penteando as pedras sem batalha,
Numa paz cúmplice que enleia
As margens por onde serpenteia…
Na piscina do hotel a queda de água
Trauteia indolente a voz da vida,
Sem sinas, tristeza ou sequer mágoa,
Apenas porque a vida lhe é querida…
Ao fundo um colorido bar molhado,
Servido por morena no sorrir garrida,
Refresca, por dentro e por fora,
O mais acalorado convidado,
Para quem as cervejinhas, canapés
Ajudam a ficar mais relaxado,
Na plácida vigília dos chalés….
Subitamente, tu entras na piscina,
E a água reflete as tuas formas
Num misto de sereia e de menina,
Que rompe status quo, rompe normas,
Apenas transmitindo o sensual
Apelo ao sexo, pelo movimento,
De um nadar suave e natural.
Tocam alarmes no meu pensamento
Há muitos predadores
À solta, a esta hora,
Que, tal como nativos batedores,
Vão dar por ti e sem demora.
Qual harpia me ergo concentrado,
Para além de meu amor, tu és família,
De pé, monto o meu posto de soldado,
Anunciando que estou de vigília.
Tu dás conta do meu ar de vigilante,
Rindo, tiras da água o corpo sedutor,
Dizendo bem alto e provocante:
“- Anda, vem, vamos fazer amor.”
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
III
“PAISAGEM E PAISAGENS”
Do ocre das fachadas
Das acomodações e dos chalés
Imagens de cor ficam gravadas,
Se destacam os detalhes, lés-a-lés,
Das madeiras, dos alçados,
Das varandas,
Passadeiras, caminhos, cordas bambas,
Delimitando espaços e picados…
São os chalés, por fora, salpicados
De espreguiçadeiras inovando
Ora repouso ameno,
Ora pecados,
Que cabe a cada um ir desvendando…
Tudo se vira ao porto, ao mar
E a Valença,
Ponto continental no horizonte,
Que a noite, ao cair, faz revelar
Do outro lado da água, bem de fronte,
Pelas luzes, as formas e a presença
Que olhando podemos vislumbrar…
É neste contexto que te chamo
De sonho, de alma, de paixão,
É nesta paisagem que te amo,
Na relva, na varanda, no colchão…
Perco-me em teu olhar
E sou feliz,
Feliz por te sentir,
Por te tocar,
Por saber que amanhã
Vou acordar
Com tua fragrância em meu nariz…
Mas mais do que esta ilha
Deslumbrante,
Inventada para amores intensos,
Vivos,
Tu és, amor, hoje e doravante
A paisagem de meus passos
Ainda conjuntivos…
Mas em montes e vales me quero perder,
Nas tuas paisagens vou viver,
Sem precisar de outros atrativos…
São paisagens reais que amo e friso
Só porque adoro estar no paraíso…
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
VIII
“MORRO DE S. PAULO”
Ao olhar
Ressalta já o Morro de S. Paulo;
Ao recordar
Um morro de reis, de glórias
E de escravos;
Morro de histórias,
Fantasmas e de bravos;
Morro de saudade,
No tempo perdido,
Onde um minuto vale a eternidade,
Onde cada segundo tem sentido…
Aqui, no Morro de S. Paulo,
Das águas feitas de cristal,
Se elevando
O sonho ganha corpo, rosto, forma,
É natural…
E o sorriso vai edificando,
Em cada instante,
Uma outra plataforma,
Feita de natureza cativante
Como que esculpindo nova Atenas…
Mais do que bonito
O Morro de S. Paulo
É belo apenas!
Aqui,
De mãos dadas, passeamos
O nosso amor
E ele sorri, enquanto andamos,
Ao Sol e ao calor,
Por entre as lojas
Como que para nós engalanadas,
Por entre ruas estreitas,
Calcetadas,
Onde se vendem,
Quase às toneladas,
Recordações,
Que um dia,
Empoeiradas,
Nos despertam a saudade,
A nostalgia,
Dos olhares trocados naquele morro.
Objetos, símbolos, na verdade,
Do amor vivido, da alegria,
De quem dentro de ti
Não quis socorro…
No Morro de S. Paulo fui feliz,
Fomos amor rubro,
Intenso, enlouquecido…
Que ali se cimentou, criou raiz,
Que jamais por nós será esquecido…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da Paixão
"MÚSICA"
A música tem o espaço invadido
De ternas melodias...
No bar,
A tela sem som,
Transmite ilusões
De novelas sem fim...
A cena,
Com contornes de virtualidade,
Faz-me ver-te ali...
Do outro lado do bar,
Na penumbra das luzes
Em perpétua difusão...
Ali...
Nessas formas
Desse corpo que sonho;
Nas margens desse teu cabelo,
Onde os meus dedos anseiam
Perder-se um dia mais...
Procuro,
Com ânsia adolescente,
O teu olhar,
Profundo...
Oculto...
Magnífico...
E sinto-o no sorriso
Desses lábios
Que Mona Lisa invejaria ter...
Porque não falas?
A espera
É como um incêndio de floresta...
Consome tudo em seu redor...
Devora o íntimo do ser e...
Mesmo assim...
É divino o prazer
Da ansiedade...
A música
Tem o espaço invadido
Do teu ser...
E a tela,
Sem som,
O sorriso mudo dos teus olhos!
A cena faz-me imaginar
Contornes de impossível...
E na penumbra das luzes
O sonho aparenta
Um perpétuo devir...
Gil Saraiva
"NA ESTUPIDEZ DE UM POETA"
Na estupidez de um poeta
O âmago é o sonho... a periferia: a realidade,
A verdade é a morte, a loucura: o amor.
Na estupidez de um poeta
A vida é uma questão sem resposta:
Até quando?
Na estupidez de um poeta
O bonito foge à moda,
O medíocre devia sê-lo,
A razão é relativa e a mulher: absoluta.
Na estupidez de um poeta
Há duas opções na vida:
O egocentrismo e o idiotismo
Mas qualquer dos dois é feliz.
Na estupidez de um poeta
O riso é cínico e a guerra não.
E se o saber não ocupa lugar
Para quê haver problemas?
Na estupidez de um poeta
A política existe, a poluição existe,
A ameaça nuclear existe,
Porque toda a merda é orgânica!
Na estupidez de um poeta
A existência é sádica, o Homem: masoquista,
E o pensamento é a fusão dos dois...
Gil Saraiva