Epílogo
Este livro é dedicado aos sentimentos que a internet consegue despertar naqueles que a usam. Conseguir implica, sem dúvida, que estes tipos de emoções possam vir a existir, mas não determina a sua existência prévia. Contudo, a hipótese existe e tem um peso relevante na vida daqueles que a experimentam. Casos há, e são muitos, em que este relacionamento no éter e na bruma de bits e bytes, se vê projetado, a seu tempo, para o quotidiano das pessoas, passando, a partir desse ponto, a ser mais um relacionamento real, que efetivamente deixou a esfera virtual da sua incubação primária.
Em Portugal, há mais de 25 anos, o fenómeno acontece e tem lugar e, por isso mesmo, à velocidade a que a ciência e o estudo do comportamento humano se desenvolvem nos nossos dias, há já inúmeros estudos sobre a matéria. Nem todos merecedores da melhor das reputações, mas existe um número suficiente de abordagens credíveis para termos a certeza que o relacionamento emocional através da internet veio par ficar. Como na vida, haverão relações de pura ilusão ou engano, como também florescerão aquelas que sem ela jamais teriam conhecido a felicidade e a plenitude. O presente livro é sobre alguns detalhes dessa nova forma de querer e amar. Uma parcela da minha visão sobre a temática, na perspetiva romântica do assunto.
Gil Saraiva
XVII
“QUERO”
Quero
Beber da tua boca
O sabor do teu existir...
Com toda a demora
Que um sonho
Leva a realizar...
Quero
Sentir esses teus fluidos
Se misturarem com os meus
Numa terna
E louca poção de amor...
Quero!
Porque para continuar
A existir eu,
Como a fénix,
Preciso de renascer
Das labaredas
De teu ser...
Vem!
Eu me encontro aqui,
Por entre as palavras
Que escrevo,
Neste Universo
Sem Deus e sem Diabo,
Entre bites
E bytes perdido...
Quero tudo...
Porque te amo toda!
Gil Saraiva
Nota: Poemas criados entre 1995 e 2020.
XVI
“O RECANTO”
No universo imenso do etéreo,
Da net,
Nestes limbos,
Te procuro eu
E, contudo,
Não sei pelo que busco...
Talvez te encontre num recanto fabuloso que,
Só por ele,
Vale por todos os outros,
Porque simples...
Talvez aí seja feliz...
Gil Saraiva
XV
“CORSÁRIO”
Existem,
No imaginário de cada um de nós,
Tesouros lendários
Em forma de alma gémea que,
Desde todo o sempre
E em todos os espaços,
Hipnotizaram os ecos da nossa consciência sensitiva...
É a eles que busco,
Que procuro qual detetive,
Amador na forma e no projeto,
Esperançoso
Na busca permanente
E teimosa,
Por aqui e ali,
Por todo o lado,
Onde possam existir indícios teus.
Tu tens a tenacidade oculta,
Que me dá forças
E me faz afoito.
Pronto para me aventurar
Pelo desconhecido do quotidiano
E perguntar por ti
Sem medo, sem receio,
Sem me deixar demover ou enganar.
Jamais paro uma demanda
Que me proponha a realizar,
E hoje,
Meu amor que desconheço,
Busco por ti destemido
qual corsário...
Gil Saraiva
XIV
” CONTINUAR”
Quem procura existências,
No etéreo lusco-fusco da net,
Encontra apenas passivas reticências...
De vidas incompletas,
Porque carentes de ser
E de saber para onde vão,
Como devem parar,
Como querem existir
E para quê continuar...
Quem procura essências
Tem de persistir,
Para poder continuar…
Gil Saraiva
XIII
"ACORDADO"
A noite estava branca de luar,
Morena de estrelas,
Uma aragem corria suave
Vinda da janela...
Sentei-me ao computador...
Poisei o copo...
Liguei-me à net
E tive mais uma noite
Inesquecível...
Do outro lado
Tu sorrias teclas de ternura,
Asteriscos
Que os meus olhos devoravam
Como se de beijos se tratassem
A revestir-me a pele
E os sentidos...
Sonhei,
Mas acordado...
Gil Saraiva
XII
“ O SER DA NOITE”
Para um vagabundo dos limbos,
Um haragano, o etéreo,
Um Senhor da Bruma,
A menina, enquanto mulher,
É a fragrância que lhes tolda a mente,
Fundindo-os a todos
Num ser ímpar que vive da sombra,
Buscando o odor feminino que,
Com a noite,
Lhe invade a razão,
Fazendo-o sonhar que o impossível
Apenas demora mais tempo.
Uma amálgama de sensações odoríferas
Onde a higiene, o perfume e sexo
Se transmutam num só cheiro,
Que embriaga o cérebro
E lhe desperta o corpo,
Tornando o mais pacato dos homens
Em predador feroz,
Sedento de uma presa que se anuncia
Na diáspora das sombras
E da bruma.
Tudo se desfoca na neblina da Lua,
Até a razão, a inteligência e o ego.
O instinto consegue fundir-se
Em harmonia com o sentimento,
O amor com o sexo,
O animal com o racional,
Gerando aquela coisa estranha
A que se chama homem,
Esse urbano selvagem
Que busca, insano,
Pela alma gémea que o entenda
Nessa demanda
Consagrada pelos poetas,
A que muitos ainda chamam de amor.
Enquanto mulher,
A presa torna-se armadilha,
Flor singular num jardim de espinhos,
Capaz de fazer sangrar a alma
Do mais empedernido predador.
Tornando-o escravo da demanda,
Doce vassalo e jardineiro
Que não teme os espinhos,
Os venenos, os caminhos sinuosos,
Da noite onde a bruma
Faz o papel de manto da Lua,
No jardim da essência emocional,
Rendida à paixão
A que simplesmente chama sentimento.
A prosa de uma resposta
Transfigura-se em poema,
O sonho ganha moldes de imperfeita realidade,
O pensamento identifica-se como emoção,
O paradoxo vira quotidiano
E a mulher significa felicidade…
Para o ser da noite
A luz chega com o crepúsculo,
Na janela perdida,
Na bruma efémera de um luar.
Gil Saraiva
XI
"A SAUDADE"
A saudade aperta,
Na noite desperta e ávida…
Finalmente tu apareces,
Ali, no meu monitor.
Menina desse lado da internet,
Diz-me…
Porque penso em ti
Se não te conheço...
Quem és?
Onde estás?
O que fazes?
Com quem vives?
O que gostas de fazer
Nas noites em que a chuva
Ou a falta de agasalho na algibeira
Te prende em casa?
Suspiro...
Que saudades que tenho de não te conhecer...
Gil Saraiva
X
"MAIS UM SORRISO"
No silêncio sepulcral
Da minha cave
O barulho da máquina
Que se liga,
Uma vez mais
À rede,
Faz-se ouvir...
Um absoluto virtual
Enche a tela
Do monitor...
E outra vez,
De novo,
Estou na net...
.
Na solidão dos silêncios,
Embalados pela rádio
Em nostalgia,
Eu encontro
A companhia das palavras
De quem,
Como eu,
Busca um devir...
.
Mais um sorriso
E já não estou sozinho...
Gil Saraiva
IX
"SEM…"
Para ser um mito
De alguém
Eu teria de existir
Antes de ser,
De ter vivido
Antes de existir,
De ser sonhado
Antes de conhecido ser...
Porém,
Por tudo isso...
Não passo de simples rumor
Nas gargantas
De quem nunca me imaginou...
Sou um Vagabundo Dos Limbos,
Sou Haragano, O Etéreo,
Condenado a não sentir
O cheiro da rosa...
Sem que uma pétala
Deslize entre meus dedos,
Qual torrente de um rio
Com margem certa...
Sem que um espinho
Me prove que o sangue
Ainda corre em minhas veias...
Sem que a beleza de uma flor
Me cegue de amor,
Qual rosa do rio
Que murmura segredos de infinito
Em meus ouvidos...
Sou um Vagabundo Dos Limbos,
Haragano, O Etéreo,
Prisioneiro do aroma suave
De uma simples flor,
Mas longe de ganhar raízes
Nas profundezas íntimas
Desse botão aberto ainda
Sem destino...
Nos caminhos da flor,
Qual seiva
Que alimenta a planta,
Eu continuo
Sem rumo
Meu caminho para a extinção...
Gil Saraiva