XI
"O NOVO ALGARVE"
Na calma das palmeiras,
Paciente, quase preguiçoso,
Passa o Gilão longos dias de repouso,
Medita o rio, reza em cada igreja,
Trinta e sete templos de plena devoção,
Conhece bem Tavira o meigo rio,
Entende as terras deste Algarve
Onde reside o Sol do oriente, a voz do Sul
De uma Europa unida em confusão.
Afinista do amor, da simpatia,
Tavira aguarda, uma vez mais,
A invasão das línguas e dos povos,
Na sombra das muralhas de um castelo
Que foi de romanos, mouros e outras gentes,
Antes de ser pedra lusa, austera, gótica e secular.
Os turistas vêm do mundo e de outras partes
Prestar homenagem rendida ao Gilão.
Rendidos pela calma,
Que invasões bárbaras são guerras do passado.
E hoje o que os conquista é a harmonia,
É fé caiada de branco por entre alvas açoteias.
Chegam em bando os visitantes,
Migram buscando as praias e o lazer.
Nestas terras lusas de cor, de tradição, de mar,
Migram na procura de um valor esquecido
E encontram-no aqui,
Reconhecem-lhe a forma e o feitio
E chamam-lhe: humanidade.
Seria quase poético o poema terminar
Seu curso no verso anterior, todavia,
Depois da chaminé e da amendoeira,
Depois do Sol, depois das praias,
Depois do D. Rodrigo e da Ria formosa
O novo Algarve elegeu a grua…
Gil Saraiva
VIII
“QUARTO, COM VISTAS”
Aqui em Portaló cada espaço
Tem seu nome,
Cada quarto é um abraço,
Se usa “meu” como pronome…
Quartos com identidade
Onde a chama se conquista
Com vigor, tenacidade,
Sem que ninguém lhe resista…
Aqui belo é felicidade
Nestes “meus” quartos com vista….
Seja Fernão Capelo Gaivota
Ou O Velho e o Mar,
O sentir é patriota
De quem por aqui passar…
Ficar em Eva Luna
A pernoitar,
Robson Crusoé,
Lobo do Mar,
Pequeno Príncipe
Ou O Alquimista,
Num sorriso bem risonho
Cada quarto é egoísta,
Cada momento é um sonho…
No nosso quarto, chalé,
Sua história vira nossa,
Ele passa a guardar memórias,
Primeiro em rodapé,
Dos êxtases e das vitórias
Dos teus orgasmos, dos risos,
Do meu gozo, dos sorrisos,
Dos acordares, das glórias
De dois amares consumados,
De quem, por amor, se entrega,
Num frenesim de conquistas,
Entre toques encantados,
Em luar que não sossega
Nossas ações mais ariscas
Dos corpos entusiasmados…
E quando, um dia, velhinhos,
Recordarmos as origens
Destes momentos alados,
Envoltos em novos ninhos,
Ah, não será com vertigens,
Que sentiremos, que amados,
Fomos bem mais que turistas
Naquele quarto, com vistas…
Gil Saraiva
* Parte I I - Portaló ou o Sortilégio do Paraíso
“PORTO E PORTAL”
Morro de S. Paulo, Tinharé,
Cheira a Brasil e a saudade,
Aroma mais puro que o café,
Um cheiro profundo
A felicidade…
Descer na paisagem,
Até tocar o mar,
Por rampa de miragem
Singular,
Onde carros de mão,
De malas cheios,
Dizem ser táxis,
Sobem de escalão,
Movidos a braços
Num calor de Verão…
E atracado bem perto a um portal
Que com coragem a tudo resiste,
Feito de séculos, pedras e de cal,
De obra humana firme que persiste,
Qual testemunha histórica da vila,
Eis que se pode vislumbrar o porto…
Subir, descer, andar, pareceu desporto,
Recebem-se os turistas de mochila
Pois no ponto de entrada e de saída,
Neste recanto onde o amor cintila,
A paisagem parece desmedida…
De um lado, o morro da saudade
Ou de São Paulo, bem colorido,
A onde o sonho vira realidade,
Do outro, o portal, o porto, o mar
E lá no fim, quase que esquecido,
Uns rasgos traços tentam desenhar
A terra ao fundo, o continente,
As margens da baía, como espuma,
Desvanecida assim por entre a bruma,
Tão longe desta ilha, desta gente….
Nós viemos lá da outra banda,
Transferidos por um velho bimotor,
Que, pelos ares, cumpriu sua demanda
De nos trazer à terra do amor.
Do aeródromo ao morro, meia hora,
Por caminhos de areia, cá chegamos…
E quando na base do morro estacionamos,
Vieram logo os táxis, sem demora.
Carrinhos de mão, daqueles das obras,
Com moleques, tisnados pelo Sol,
Pareciam sapos, lagartos, mesmo cobras,
Imitando na subida dura, de andar mole,
O passo da lesma, lagarta ou caracol.
Nos carrinhos… as malas dos turistas,
Enquanto estes se perdiam com as vistas.
Já nós os dois, amor, de mãos entrelaçadas,
Namorámos morro a cima e na descida
Vendo botecos, lojinhas e esplanadas,
Pensámos estar vivendo uma outra vida,
No paraíso perdido da paixão,
Lembras-te querida?
Até de ti,
Armada em atrevida,
Levei um apalpão,
Sem saber ler,
Nem achar que o posso descrever…
Por fim, porto e portal,
Num largo, feito movimento,
Onde amar parece natural.
Ali o amor tem cor,
sabor e cheiro,
Porque ali
O romance é hospedeiro,
De mim, de ti,
De nós,
Em imprevistas
Emoções,
Impulsos e ecos egoístas,
Do bater dos corações apaixonados
Ao qual nos rendemos,
Num torpor,
Que por amor,
Nos faz do verbo amar escravizados…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da Paixão