XII
“DUNAS”
Será preciso o toque para se amar alguém?
Não posso responder assim, de ânimo leve,
Por tudo o que sente a humanidade.
Todavia, para mim, que nunca te toquei,
Tu és a minha pérola oriental,
Para mim, que nunca te cheirei ou sequer senti,
Tu és real como o sangue vermelho e fluído
Que me corre de mansinho nas veias.
Como a água que mata a minha sede
Tu és a fonte que sacia o meu desejo.
E a tudo isto eu gostaria de chamar amor,
Porque nada mais há de tão belo,
Tão perfeito, tão divino e tão terreno
Do que o sentir que vem de dentro.
Ao pensar nos teus seios de mulher
A imagem que se forma é de beleza eterna,
De perfeição, de arrepio que ilumina o estro
E que a História soube eternizar.
Embora poucas palavras pareçam existir
Para se descreverem as sensações plenas
Que podem uns seios despertar.
Seios, são como dunas desenhadas pelo vento
Onde dedos suaves nelas deslizam
Ajustando a forma, a consistência ou rigidez.
Esqueçam os exageros absurdos da pornografia
E lembrem os clássicos que, cada um a seu jeito,
Na mestria da sua arte nos apresentam essas dunas,
Sejam eles os escultores, os pintores, os fotógrafos
E os poetas, que as eternizaram num épico
Erotismo pleno de emoção, quase loucura.
Pensem no respirar das dunas à beira-mar,
Húmidas de oceano, com movimentos suaves,
Que em plano horizontal apontam ao infinito.
Será preciso o toque para se amar alguém?
Gil Saraiva
I
"VENTO"
Sopra mais forte o vento
Nesta noite,
Vem assobiando melodias
Que nem sempre conheço.
Sopra sempre assim
Na minha alma
Desde que a pandemia
Começou,
Desde que a nostalgia
Se instalou…
Sussurra-me aos ouvidos:
“- Desespero…”
Procuro entender o nobre vento,
Busco a verdade
Na bruma do quotidiano,
No etéreo da internet,
Vestido de névoa,
Por um desconhecido caminho de neblina.
Busco a verdade
Na palavra segredada
E descubro-a vestida de medo
Bordado de infinito.
Não quer o pobre vento a eternidade…
Está cansado da amarga história,
Amiga de tudo o que fim nunca mais tem!
Às vezes penteia as árvores
E despenteia a gente,
Que no seu caminho se atravessa.
Volta a falar comigo o vento norte,
Sibilando os esses e os zês
Numa pronúncia soprada
Por entre a neblina,
A névoa, a bruma:
“- Se… se pudesse ser assim como tu és…
Seria o mais feliz dos elementos,
Porque tu, humano, tens um dom:
Sabes que um dia,
Ao bater das horas incertas,
Morres para sempre!
Já eu…
Posso descansar na duna
De um deserto,
Ser brisa amena,
Tornado
Ou tufão na tempestade,
Cósmico no espaço,
Sopro solar,
Em quente movimento,
Ou mera aragem,
Mas venha a peste negra,
A gripe espanhola
Ou esta pandemia,
Continuarei soprando segredos
Sem mensagem.”
Gil Saraiva
"Haragano, O Etéreo, um Senhor da Bruma"
(A HISTÓRIA...)
Ao princípio
Senti-me como que um desaparecido...
Não em combate,
Como certos militares em terra estranha...
Não no triângulo das Bermudas,
Como reza a história de muitos navios
Perdidos na Bruma...
Não em pleno ar,
Como se fosse um avião
Engolido pela própria atmosfera
Algures entre nuvem e bruma...
Não! Nada disso! Desaparecido de mim...
Sem identidade... Sem existência...
Sem referências... Sem sentido de viver...
Sem imagens claras, perdido na bruma...
Imagine-se a montanha!
Grande! Monstruosamente grande!
Gigante mesmo
Elevando-se na planície!
Isso fui eu,
O eu Narciso antes da primeira queda,
Antes do começo das erosões...
Seguidas, repetidamente insistentes,
Continuadas no tempo e na vida...
Isso fui eu,
Antes dos abalos, dos sismos,
Dos terramotos sem fim
Num mundo feito de sobrevivência
Mais que de essência!
Isso fui eu, antes da bruma...
E a montanha foi perdendo forma,
Volume, dimensão...
Até se confundir na planície amorfa
Da multidão sem rosto,
Sem esperança,
Sem dignidade
E sem amor próprio...
Aparentemente,
Eu tinha desaparecido,
Sem que um vestígio de sobrevivência
Servisse de pista
Para uma busca por mim mesmo...
Imagine-se um desastre
Num qualquer ponto isolado do globo,
Onde um hipotético sortudo
Salvo da morte pelo acaso,
Irremediavelmente ferido,
Acabasse por ficar
Virtualmente irreconhecível
Perante a exposição ao tempo
E às depredações dos animais
E da própria natureza...
Isso era eu!
Perdido de mim e dos meus...
Desaparecido do mapa
Dos humanos com voz própria!
Ao princípio
Foi assim que me senti.
Depois, dei conta que vagueava
Sem destino ou rota certa...
Algures entre nenhures,
Um ser disforme,
Parco de alma e existir...
Durante momentos que pareceram anos,
Durante anos que não tiveram momentos,
Apenas procurei, não sei o quê...
Não sei porquê...
E não sei como...
Quando finalmente dei por mim,
Não passava de um vagabundo,
Perdido de si em busca do ser...
Era como se os locais,
Por onde a minha sombra
Me garantia a existência,
Fossem nuvens sem forma,
Estradas sem referências,
Caminhos sem lei...
Brumas sem paisagens...
Apenas limbos...
Apenas Éter...
Apenas Bruma...
Às vezes sentia
Que estava numa grande teia,
Cheia de predadores,
Plena de vítimas,
Ávida de sentidos e sentimentos...
Uma teia universal que me envolvia
Como uma rede escura e semieléctrica...
Descobri, aos poucos,
Que tinha sido absorvido pela internet
E que me tornara
Num Vagabundo Dos Limbos,
Em Haragano, O Etéreo,
No Senhor da Bruma,
Numa Lenda Urbana
De quem nunca ninguém ouviu falar,
Num Senhor dos Tempos
Sem tempo para si mesmo...
Um Sir, à inglesa, polido na forma,
Vazio no íntimo de si próprio,
Repleto de vontade e de reconstrução...
Um Vagabundo Dos Limbos,
Haragano, O Etéreo,
Senhor da Bruma,
Em busca da identidade esquecida
Num passado sem memória...
Até que renasci,
Gritando aos cinco ventos
A minha alvorada...
Vento de ser,
Vento de existir,
Vento de viver,
Vento de sentir,
Vento de amar...
De novo era gente,
Uma criatura nova,
Não na idade que essa
Não deixa Cronos em cuidados,
Mas na vida.
Eu era...
Eu sou, esse Sir,
O Vagabundo Dos Limbos...
Haragano, O Etéreo...
Senhor da Bruma...
Pela rede universal transmitindo
A história de uma alma
Que aos poucos fui reconstruindo,
Sem vaidade, sem orgulho,
Sem a certeza sequer de ser ouvido...
Porém... com a esperança
De que ao falar globalmente
Para este universo imenso,
Possa um dia agir localmente
Na alma de um ser que como eu
Se sinta desaparecido a dada altura...
Assino, como me conhecem:
Sir, Vagabundo Dos Limbos,
Haragano, O Etéreo...
Senhor da Bruma...
Gil Saraiva