III
"ALGUÉM"
Vagabundo Dos Limbos...
Haragano, O Etéreo...
Senhor da Bruma...
Uma jangada de palavras
Que flutuam pela internet
Sem um rumo certo...
Sou
Aquilo que sempre fui:
Um sonhador!...
Sinto todas as lágrimas
Que choro em gotas de bits
E cascatas de bytes
Sem destino...
Sou
Um Vagabundo Dos Limbos...
Sou
O Haragano, o Etéreo...
Porque sou o Senhor da Bruma!
Que mais posso almejar
Do reino das palavras?
Quero a verdade!
E isso é muito?
Rindo de mim mesmo
Vou ficando...
Quem fala verdade
A um haragano?
Quem, na jangada,
Tem rumo, destino?
Para que eu possa amar,
Mulher, só quero uma...
Quem se poderá fundir
Ao Senhor da Bruma?
Haverá quem?
Ah!...
Tem de haver alguém!...
Gil Saraiva
X
“ENTRADA NO PARAÍSO”
Porto e Portal da vila,
Imponentes entradas,
A quem tributo até as aves prestam,
Onde o chegar é natural,
Lembrando talvez outras arcadas
Ou romantismos que se manifestam
Numa vassalagem da memória
De gerações vividas,
Longa história,
De muitas vindas, muitas idas…
Pegadas gravadas pelo tempo,
Entre o riso e o contratempo,
De quem ali passou,
De quem dali gravou
O portal, o porto, o movimento,
De quem ali viveu mais que um momento…
Este todo é belo,
Fascinante, admirável,
Simples porto,
Onde se chega num sorriso,
Para depois transpor portal austero,
Tão memorável,
Que transpô-lo
Nos deixa, enfim, no paraíso…
Assim chegamos nós,
Trocando beijos,
Fazendo do Amor,
A nossa voz,
Nossos desejos,
Com paixão, com fé
E com esplendor…
Paisagens,
Puras, com verdade,
Do Morro da Saudade,
Que se vivem plenas
Pelas margens
Do oceano que nos beija os pés.
Um vivo sortilégio da paixão
Entre nós dois amor, amante, amada,
Que, sem sentirmos, nos invade o coração,
E que se instala sem jamais nos pedir nada…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da paixão
VIII
“MORRO DE S. PAULO”
Ao olhar
Ressalta já o Morro de S. Paulo;
Ao recordar
Um morro de reis, de glórias
E de escravos;
Morro de histórias,
Fantasmas e de bravos;
Morro de saudade,
No tempo perdido,
Onde um minuto vale a eternidade,
Onde cada segundo tem sentido…
Aqui, no Morro de S. Paulo,
Das águas feitas de cristal,
Se elevando
O sonho ganha corpo, rosto, forma,
É natural…
E o sorriso vai edificando,
Em cada instante,
Uma outra plataforma,
Feita de natureza cativante
Como que esculpindo nova Atenas…
Mais do que bonito
O Morro de S. Paulo
É belo apenas!
Aqui,
De mãos dadas, passeamos
O nosso amor
E ele sorri, enquanto andamos,
Ao Sol e ao calor,
Por entre as lojas
Como que para nós engalanadas,
Por entre ruas estreitas,
Calcetadas,
Onde se vendem,
Quase às toneladas,
Recordações,
Que um dia,
Empoeiradas,
Nos despertam a saudade,
A nostalgia,
Dos olhares trocados naquele morro.
Objetos, símbolos, na verdade,
Do amor vivido, da alegria,
De quem dentro de ti
Não quis socorro…
No Morro de S. Paulo fui feliz,
Fomos amor rubro,
Intenso, enlouquecido…
Que ali se cimentou, criou raiz,
Que jamais por nós será esquecido…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da Paixão
PORTALÓ (MEMÓRIAS DA BAHIA) -----"----- PARTE I: PAISAGENS OU O SORTILÉGIO DA PAIXÃO
I
“MAIS PERTO DO CÉU”
Quem não tem
Fantasias nesta vida?
Filmes não vividos,
Só sonhados…
Soluções impossíveis
Que parecem ter saída,
Raciocínios absurdos,
Mas na perfeição elaborados…
Caminhos percorridos
Pela mente,
Porque foram,
Por ela,
Imaginados.
Sonhar uma viagem,
Mas tão secretamente,
Que não se encontram
Excertos registados…
E assim…
Descobri um ponto no infinito,
Preciso, definido,
Desvendado,
E vê-lo mais perto,
Cada vez,
Sem palavras usar,
Nem mero grito,
A pouco e pouco
Melhor sendo focado,
Redesenhando,
Com espantosa nitidez,
As formas, os traços,
As imagens,
Que na memória recordam as paisagens…
Quem não teve
Fantasias nesta vida?
Quem não sentiu saudades
Mesmo que apenas de fugida?
Foi destapado o esquecimento,
O véu,
Que nos prova o quanto,
De verdade,
Já vivemos plena felicidade,
Mais perto,
Bem mais perto do céu…
Gil Saraiva
* Parte I - Paisagens ou o Sortilégio da Paixão
IX
"NÃO POR MIM..."
Às vezes
Acho-me um ser híbrido...
Não importa se o sou
Mas o que penso...
É como se metade do que me constitui
Fosse sentir
E só a outra parte de mim
Fosse homem nato...
Sou,
Tal como o dia tem na noite
Uma outra face,
Um ser ambidestro
No que toca à mística
Representada pelo coração...
Um quase ser criança
Entre pudores que,
Nesta idade que tenho,
Já extintos deveriam estar.
Mas corre-me nas veias
O devir...
A sensação última de atingir
A plenitude das coisas
Simples e pequenas
Que permanecem fiéis à memória
De quem realmente as viveu
Com existência.
Mas para que falo eu isto?
Que importância tem?
Para que raio interessa
Um tal assunto?
Ahhhhhhh...
Importa refletir,
Sentado nas escadas alvas e frias
Do mármore que edifica e marca
Cada registo do que sou,
Tentando sempre
Ir mais longe no pensar...
O que me move?
Ou, talvez, o que me comove?
Ou, ainda, o que me demove...?
É delicioso poder concluir que,
Em cada caso,
A chave é sempre a mesma:
Sentimentos!
Vindos de dentro,
Da arca radioativa do amor
À qual chamamos
Alma...
Sentimentos,
Desempacotados,
Pelo espírito
Que nos torna humanos,
Postos a render
Para que possamos desfrutar,
A cada pegada impressa
No caminho da vida,
A realização
Do que deveríamos ser
Para que o existir tenha um propósito:
Felizes sermos!...
A demanda pela verdade
É um falso caminho se,
No final da linha,
Não encontrarmos
O amor!
É pela sensualidade dos corpos
Que a alma,
Feita espírito inventivo,
Nos mostra a excelência de uma espécie
Com milénios de existir:
O Ser Humano.
Um ser que não se reproduz apenas,
Mas que se funde em harmonia
Sempre que a longa busca,
Pela alma gémea,
Se conclui com êxito.
Ser sensual
É ser-se humano
E ter com isso a esperança
De perpetuar a espécie
Por forma a poder gritar bem alto,
Aos quatro ventos:
É amor!...
Às vezes
Acho-me um ser híbrido...
Não pelo que sou
Mas pelo que os meus olhos captam
Do mundo
A que chamamos evoluído...
Onde sensualidade
Se confunde com pornografia,
Tal como o bem
Se confunde com o mal...
Às vezes
Acho-me um ser híbrido,
Mas não por mim...
Não por mim...
Gil Saraiva
"NA ESTUPIDEZ DE UM POETA"
Na estupidez de um poeta
O âmago é o sonho... a periferia: a realidade,
A verdade é a morte, a loucura: o amor.
Na estupidez de um poeta
A vida é uma questão sem resposta:
Até quando?
Na estupidez de um poeta
O bonito foge à moda,
O medíocre devia sê-lo,
A razão é relativa e a mulher: absoluta.
Na estupidez de um poeta
Há duas opções na vida:
O egocentrismo e o idiotismo
Mas qualquer dos dois é feliz.
Na estupidez de um poeta
O riso é cínico e a guerra não.
E se o saber não ocupa lugar
Para quê haver problemas?
Na estupidez de um poeta
A política existe, a poluição existe,
A ameaça nuclear existe,
Porque toda a merda é orgânica!
Na estupidez de um poeta
A existência é sádica, o Homem: masoquista,
E o pensamento é a fusão dos dois...
Gil Saraiva
"CEDO"
Eu quero amar-te! Sim! Com que ansiedade...
Ó única, dos olhos meus, miragem...
Ó por ninguém, jamais, vista paisagem,
Só porque nunca alguém viu a verdade!
Eu quero amar-te p’ra sentir saudade...
Eu quero, ao longe, ver a tua imagem
Projetada em meu corpo de selvagem,
Tão louco por perder a liberdade!
E, no entanto, quero um maior bem:
O trunfo desse amor... desse segredo!
Mas encontro-me só e sem ninguém,
No mundo escuro... só... com o meu medo.
E tão só, sem poder ir mais além,
Fico tão solitário ‘inda tão cedo...
Gil Saraiva
"SE"
Ai! Se este viver nosso, em nossa vida,
Tem real importância, na verdade;
Se amor se vive, em nós, em lealdade;
Se não te dás, tu mesmo, por vencida;
Se não pensas em breve despedida;
Se choras por, apenas, felicidade;
Se nunca foi, nem é, só caridade
O motivo que a mim te tem unida;
Se, para ti, Amor, o amor é arte;
Se, para ti, sou só eu a escultura
Que um certo artista, um dia, retalhou
Espero ser, e vir da tua parte,
A vida, o louco amor e a ternura,
Que de mim para sempre se apossou...
Gil Saraiva
"ILUSÃO"
Sentes o palpitar do coração,
Que no meu peito mora, tão sentido,
Ardendo lentamente sem ruído?
Sentirás tu a minha devoção?
Não! És apenas sonho, ilusão...
Verdade amarga em mármore esculpido...
Fruto secretamente apetecido...
Sentimento despido de razão...
Vulcânica prisão do não amado...
Triste destino, cristalina lama...
A incógnita dor de um corpo irado...
Diamante que brilha, mas não ama.
És retumbante golpe inesperado,
Que acende a lágrima e apaga a chama!...
Gil Saraiva