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"UM POEMA"
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Se for ouvido é música divina,
É arte,
É voz...
Mas se na valeta
Do esquecimento ele cair
Então…
O poeta morreu uma vez mais,
Mas não sem antes sofrer muito
Para além do suportável
Pelo comum dos mortais...
Quantos de nós,
Muito além desse sentido,
A que chamamos de audição,
Escutamos realmente o grito mudo?
Quantos de nós ouvimos
No marasmo do nosso quotidiano
Um só poema?
"-Depende..."
Dirão os mais sensíveis...
"-Eu acho que sim!"
Afirmarão os convencidos
Pelas lições que a vida
Lhes foi dando...
"-Eu escuto..."
Dirás tu
Com medo da tua própria voz...
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Gil Saraiva
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"Haragano, O Etéreo, um Senhor da Bruma"
(A HISTÓRIA...)
Ao princípio
Senti-me como que um desaparecido...
Não em combate,
Como certos militares em terra estranha...
Não no triângulo das Bermudas,
Como reza a história de muitos navios
Perdidos na Bruma...
Não em pleno ar,
Como se fosse um avião
Engolido pela própria atmosfera
Algures entre nuvem e bruma...
Não! Nada disso! Desaparecido de mim...
Sem identidade... Sem existência...
Sem referências... Sem sentido de viver...
Sem imagens claras, perdido na bruma...
Imagine-se a montanha!
Grande! Monstruosamente grande!
Gigante mesmo
Elevando-se na planície!
Isso fui eu,
O eu Narciso antes da primeira queda,
Antes do começo das erosões...
Seguidas, repetidamente insistentes,
Continuadas no tempo e na vida...
Isso fui eu,
Antes dos abalos, dos sismos,
Dos terramotos sem fim
Num mundo feito de sobrevivência
Mais que de essência!
Isso fui eu, antes da bruma...
E a montanha foi perdendo forma,
Volume, dimensão...
Até se confundir na planície amorfa
Da multidão sem rosto,
Sem esperança,
Sem dignidade
E sem amor próprio...
Aparentemente,
Eu tinha desaparecido,
Sem que um vestígio de sobrevivência
Servisse de pista
Para uma busca por mim mesmo...
Imagine-se um desastre
Num qualquer ponto isolado do globo,
Onde um hipotético sortudo
Salvo da morte pelo acaso,
Irremediavelmente ferido,
Acabasse por ficar
Virtualmente irreconhecível
Perante a exposição ao tempo
E às depredações dos animais
E da própria natureza...
Isso era eu!
Perdido de mim e dos meus...
Desaparecido do mapa
Dos humanos com voz própria!
Ao princípio
Foi assim que me senti.
Depois, dei conta que vagueava
Sem destino ou rota certa...
Algures entre nenhures,
Um ser disforme,
Parco de alma e existir...
Durante momentos que pareceram anos,
Durante anos que não tiveram momentos,
Apenas procurei, não sei o quê...
Não sei porquê...
E não sei como...
Quando finalmente dei por mim,
Não passava de um vagabundo,
Perdido de si em busca do ser...
Era como se os locais,
Por onde a minha sombra
Me garantia a existência,
Fossem nuvens sem forma,
Estradas sem referências,
Caminhos sem lei...
Brumas sem paisagens...
Apenas limbos...
Apenas Éter...
Apenas Bruma...
Às vezes sentia
Que estava numa grande teia,
Cheia de predadores,
Plena de vítimas,
Ávida de sentidos e sentimentos...
Uma teia universal que me envolvia
Como uma rede escura e semieléctrica...
Descobri, aos poucos,
Que tinha sido absorvido pela internet
E que me tornara
Num Vagabundo Dos Limbos,
Em Haragano, O Etéreo,
No Senhor da Bruma,
Numa Lenda Urbana
De quem nunca ninguém ouviu falar,
Num Senhor dos Tempos
Sem tempo para si mesmo...
Um Sir, à inglesa, polido na forma,
Vazio no íntimo de si próprio,
Repleto de vontade e de reconstrução...
Um Vagabundo Dos Limbos,
Haragano, O Etéreo,
Senhor da Bruma,
Em busca da identidade esquecida
Num passado sem memória...
Até que renasci,
Gritando aos cinco ventos
A minha alvorada...
Vento de ser,
Vento de existir,
Vento de viver,
Vento de sentir,
Vento de amar...
De novo era gente,
Uma criatura nova,
Não na idade que essa
Não deixa Cronos em cuidados,
Mas na vida.
Eu era...
Eu sou, esse Sir,
O Vagabundo Dos Limbos...
Haragano, O Etéreo...
Senhor da Bruma...
Pela rede universal transmitindo
A história de uma alma
Que aos poucos fui reconstruindo,
Sem vaidade, sem orgulho,
Sem a certeza sequer de ser ouvido...
Porém... com a esperança
De que ao falar globalmente
Para este universo imenso,
Possa um dia agir localmente
Na alma de um ser que como eu
Se sinta desaparecido a dada altura...
Assino, como me conhecem:
Sir, Vagabundo Dos Limbos,
Haragano, O Etéreo...
Senhor da Bruma...
Gil Saraiva
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"TIAN AN MEN"
(AS VINDIMAS DE JUNHO)
Cantam as vindimas os Podadores,
Cantam na Praça de Tian An Men...
Vindimas de junho
Onde uvas, aos cachos,
Aguardam a poda...
E há quem as ouça... parecem gritar:
"- Queremos Liberdade! Democracia...
E embora com medo queremos Liberdade!
Não vamos fugir,
Somos milhares pedindo uma voz,
E apenas uma,
Hoje e aqui em Tian An Men,
No lar da Paz Celestial...
Tien An Men, Tian An Men,
Pedimos apenas o que é natural!..."
Fazem chacinas os Caçadores,
Caçam na Praça de Tian An Men...
Chacinas de junho
De foice e martelo, de gás e de bala,
De bomba e canhão, de tanques estanques,
Ceifam-se estudantes...
Morrem às dezenas, centenas, milhares,
Qual carne picada triturada a aço;
Não sobra pedaço...
No lagar de horrores o mosto já fede!...
E choram as vítimas dos Podadores
Choram na Praça de Tian An Men...
Vítimas de Junho...
Só os mortos cantam, num descanso ameno,
Na Praça da Paz Celestial...
Vítimas do medo, que o Poder tremeu,
Vítimas tão cedo de quem não cedeu...
Mortos, mais mortos e outros ainda
Que em Tian An Men
Pra sempre ficaram...
E só porque ousaram pedir Liberdade
Pra poder falar e ouvir e ler,
E poder escolher
Entre concordar e não concordar...
E contam as vítimas os Ditadores
Contam na Praça de Tian An Men
Um, dois, três, cem, mil, e mais e mais...
Aumentam os corpos ceifados a esmo:
Mulheres, homens, velhos, crianças,
Dois mil, três mil...
Vale mais não somar,
Esquecer os totais...
Que em Tian An Men,
A praça da Paz Celestial,
Nasceu um Inferno feito por mil Dantes...
O Verão foi Inverno... morreram estudantes...
E cantam os Anjos num coro de dor
Cantam as Almas de Tian An Men...
E a China já chora
O chão decorado de ossos e tripas,
De músculos rasgados,
Banhados no sangue de um mar de mártires:
Um novo Austerlitz!...
No tocar dos extremos
O sangue é fusão...
Cantam as vítimas os Podadores
Tomara que só em Tian An Men...
Tomara também que no Luso Ocidente,
Vindimas não hajam
Nos meses errados...
Cantam as vítimas os Podadores
Tomara que só em Tian An Men...
Vítimas de Junho...
Pisaram-se as uvas e embora verdes
Um mosto vermelho encheu o lagar
- Tian An Men... Tian An Men...
Os bagos esmagados parecem falar...
E cantam as vítimas os Podadores
Tomara que seja o Canto dos Cisnes...
Gil Saraiva