X
"O MEU VULCÃO”
Não me deixes só
No universo,
Não me tires a alegria,
O amor, a vida,
Não me faças voltar
A ser perverso,
Não me deixes tu a alma nua,
Não me abandones minha querida.
Não me deixes perdido, só,
Na solidão emerso,
Não deixes minha alma ressentida.
Não quero ficar só,
Abandonado neste mundo,
Não quero estar perdido
Ou ser imundo…
Ó vida escura, sombria, sem calor,
Estou cego, não consigo olhar.
Quero morrer. Tenho a alma fria
Gelada pela dor,
Eu não vou conseguir aguentar,
Pois não posso viver sem teu amor.
Estou cego, a vida quero abandonar,
Sem teu amor eu quero,
Eu tenho de morrer,
Assim não, por favor,
Assim eu vou fender…
Como um raio vou fender meu ego,
Vou estilhaçar-me pelo infinito
Vou gritar ao sonho
Que não nego
Que tu para mim és Sol,
Luz, mito.
Vou gritar que te amo
E embora cego,
Em ti vejo um diamante
E não permito
Que alguém jamais te ame
Como eu te amava,
Porque senão,
Meu vulcão
Vai verter lava!
Gil Saraiva
IX
“LA PALMA, CASCATA DE LAVA”
Revolta-se a Terra e logo pelas Canárias,
Grita, em tremores pela ilha fora,
Em nome do planeta pois que demora
O Homem a parir reformas ordinárias
Sobre o clima, o ambiente, já sem hora,
Minuto, segundo ou mesmo instante
Para tudo mudar porque é flagrante
Que o destino não espera e a chama chora
Rios de fogo pela encosta agora,
Desembocando cascatas de lava no oceano,
Numa guerra invulgar, sem mano a mano.
E monte da velha enxofre fede,
Rebenta de raiva o vulcão adormecido,
E em torrentes de sangue nada impede
Os rios de devorar casas e terras num rugido,
Sem dimensão, sem forma, sem sorriso,
Sem consideração, espera e sem aviso,
Que não seja o da confusão, do alarido.
Para as vítimas o drama cheira a desespero
De nada serve a luta, o orgulho ou o esmero.
Ali reina um caos sem ter vertigens.
Plantações de banana viram estrume,
Em torresmos derretidos, desde o cume,
Que a civilização volta às origens.
Chega o rei, ministros e dinheiro,
Entram promessas pela televisão,
Que imagens de espanto são viveiro
De audiências, de sofá e de emoção,
De quem ao longe assiste ao formigueiro
De uma La Palma recreada em cinzeiro.
Em La Palma, as cascatas são de lava.
Laranja, amarelo, negro e vermelho
São as cores da revolta que se trava
Numa ilha para quem não há conselho
Que ajude a suportar tamanha dor,
De quem vive dessa terra, de quem viu
Desaparecer o fruto de todo o seu labor
E sem comos, nem porquês, se despediu
Dos seus haveres, das memórias, no calor
Porque as chamas tudo em volta consumiu.
A natureza acordou um vulcão adormecido,
Nem requerimentos, sem razões, sem um pedido!
Gil Saraiva
"TOCA-ME"
Quando aquela mão
Se estende decidida e sensual,
Num caminho seguro,
Até tocar suave
Um membro adormecido,
Despertamos nós...
Desperta o príncipe
Com coaxares de sapo,
Porque a magia
Se fez vida
E gozo último...
Quantos de nós, homens,
Antropófagos do sentir,
Não atingimos o céu
Antes do tempo
E tudo por um toque apenas?
Ahhhhhh...
Isto é vida!
Nada se compara
Ao arrepio da derme
Perante um deslizar
De dedos ao acaso.
Nada é mais intenso
Do que sentirmos a mão,
A nossa mão,
Navegar serena,
Pela derme de outro alguém,
Procurando o calor ameno
De um Trópico de Câncer
Ou Capricórnio...
Pra mergulhar ardente
Num vulcão de amor
E nos fazer arder
Sem febre alguma
Que não aquela
A que chamamos de paixão...
Partir do que é geral
Para o mais específico,
Íntimo, privado e particular...
Sentir a preocupação das formas,
Das cores, do brilho,
Do estado hipnótico de um toque,
Em impressões táteis
De impensáveis sensações
De loucura frenética e absoluta...
Depois...
Procurar uma ordenação tátil
Dos elementos do percurso
E projetá-los em cenas
De luxúria conseguida e integral...
Por fim...
Gritar em êxtase:
Toca-me, de novo, meu amor!!!
A Mulher,
Mais do que ser humano,
É arte viva,
Sente
Como nenhum outro espécime
À face do planeta...
E faz sentir...
Chegamos ao infinito
Num só toque...
E de lá voltamos para podermos,
Também nós,
Tocar e atingir assim
O despertar de uma aurora
Que nasce pura de êxtase
E plena de prazer!...
A Mulher
Faz uivar bem lá no fundo
Aquele ser esquecido,
De ser gente,
De ter vida,
De ter voz...
E provoca do íntimo
A alma ansiosa de sentir,
Perdida de sentido,
De momento,
Já faz muito e muito tempo,
Para gritar, por fim,
Em pleno êxtase:
Toca-me, de novo, meu amor!!!
Gil Saraiva